Marcelo Gleiser: O Físico Brasileiro Premiado com o Templeton
24 Junho 2025
Escrito por Francisco H. C. FelixO físico brasileiro Marcelo Gleiser é reconhecido internacionalmente por suas contribuições à ciência e à divulgação científica. Em 2019, tornou-se o primeiro latino-americano e o único brasileiro a receber o prestigioso Prêmio Templeton Prêmio Templeton: Prêmio internacional criado em 1972 para reconhecer pessoas que contribuem de forma excepcional para afirmar a dimensão espiritual da vida, seja por meio de descobertas científicas, filosóficas ou ações práticas. , um dos maiores prêmios internacionais concedidos a cientistas e pensadores que ampliam a compreensão da humanidade sobre a existência. O próprio Gleiser se define como agnóstico, defendendo o diálogo entre ciência e espiritualidade. Agnosticismo: Posição filosófica segundo a qual não é possível afirmar nem negar a existência de Deus, do divino ou de realidades metafísicas, por falta de evidências suficientes. O agnosticismo é comum em debates sobre ciência e espiritualidade.
Biografia e Formação
Marcelo Gleiser nasceu em 19 de março de 1959, no Rio de Janeiro. De família judaica, ele conta que, no seu Bar Mitzvah Bar Mitzvah: Cerimônia judaica que marca a maioridade religiosa de meninos aos 13 anos. Após o Bar Mitzvah, o jovem passa a ser responsável por seus atos perante a lei judaica e pode participar plenamente dos rituais religiosos. , ganhou de sua tia uma foto autografada de Einstein. Na foto estão Einstein e Isidoro Kohn, tio da madrasta de Gleiser. O avô paterno de Gleiser também acompanhou Einstein nessa visita ao Rio, em 1925. Segundo o relato familiar, Isidoro emprestou a gravata que Einstein usa na foto. Esta foto inspirou Marcelo Gleiser, então um adolescente fascinado pela natureza, a buscar uma carreira na física. Em seu livro “Criação Imperfeita”, ele relata que, após a morte da mãe, passou por um período difícil de incertezas, e a busca de conhecimento científico foi uma das coisas que o ajudou a superar. Outra foi o esporte, tendo jogado vôlei e participado inclusive da vitória do time brasileiro no campeaonato junior em 1974, junto com Bernardinho.
Albert Einstein e Isidoro Kohn, amigo do avô paterno e tio da madrasta de Marcelo Gleiser, no Brasil em 1925. Kohn havia emprestado a gravata que Einstein está usando na foto.
Estudou física na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde se graduou em 1981. Em seguida, fez mestrado no Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (IFT-Unesp), com a dissertação intitulada “Soluções de Vórtice em Teorias de Gauge Abelianas e Não-Abelianas” (1982), sob orientação do Prof. Dr. Mario Novello. Nesse trabalho, Gleiser estudou estruturas chamadas “vórtices” — regiões onde campos físicos se organizam de modo semelhante a redemoinhos — em teorias fundamentais da física, buscando entender como padrões e estruturas podem surgir espontaneamente na natureza.
Posteriormente, fez doutorado (PhD) em física teórica na King’s College London, Reino Unido, concluído em 1986, sob orientação do Prof. Dr. Michael E. Fisher. Sua tese, intitulada “Phase Transitions in the Early Universe” (Transições de Fase no Universo Primordial), investigou como mudanças bruscas e fundamentais — semelhantes à transformação da água em gelo — podem ter ocorrido nos primeiros instantes do universo, influenciando a formação de estruturas cósmicas e a evolução do cosmos.
Após o doutorado, trabalhou como pesquisador de pós-doutorado no Fermilab (Fermi National Accelerator Laboratory), nos Estados Unidos, sob supervisão do físico Edward W. Kolb (Rocky Kolb), referência mundial em cosmologia física. Lá, Gleiser desenvolveu pesquisas independentes e colaborativas em cosmologia teórica, especialmente sobre transições de fase no universo primordial e a formação de estruturas cósmicas. Seu trabalho resultou em publicações científicas importantes, aprofundando a conexão entre física de partículas e a evolução do universo logo após o Big Bang.
Em seguida, trabalhou também no Instituto de Física Teórica da Unesp, onde colaborou com grupos de pesquisa em física teórica e cosmologia, orientou jovens pesquisadores e participou de projetos sobre simetrias fundamentais, formação de estruturas no universo e modelos de matéria exótica. Sua atuação contribuiu para fortalecer a pesquisa em cosmologia no Brasil e ampliar o intercâmbio científico internacional.
Ao longo de sua carreira, Gleiser também orientou e influenciou diversos jovens cientistas, tanto no Brasil quanto no exterior, como Sara Imari Walker. Sua atuação como mentor contribuiu para formar uma nova geração de pesquisadores em física teórica e cosmologia.
Em 1991, ingressou como professor no Dartmouth College, nos Estados Unidos, onde atua até hoje como professor titular de física e astronomia, ocupando a cátedra Appleton Professor of Natural Philosophy, um dos títulos mais prestigiosos da instituição.
Trabalhos Destacados
Gleiser é especialista em cosmologia Cosmologia: Ramo da ciência que estuda a origem, estrutura, evolução e eventual destino do universo como um todo, integrando conhecimentos da física, astronomia e filosofia. , física de partículas e astrobiologia Astrobiologia: Área interdisciplinar que investiga a origem, evolução, distribuição e futuro da vida no universo, incluindo a busca por vida em outros planetas. . Destacou-se por pesquisas sobre a origem e evolução do universo, simetrias fundamentais, transições de fase cósmicas e a busca por vida fora da Terra. Publicou mais de 100 artigos científicos e é referência internacional em temas como quebra de simetria e formação de estruturas cósmicas.
Entre seus trabalhos de maior destaque está a proposta do “Princípio da Vida Rara” (Rare Life Principle), em que Gleiser argumenta que a vida complexa no universo pode ser muito mais rara do que se imagina, devido à combinação de fatores físicos, químicos e biológicos necessários para sua emergência. Ele também contribuiu para o debate sobre a definição de vida e os limites da habitabilidade planetária, sendo referência internacional em astrobiologia. Gleiser participou de colaborações com a NASA e outros centros de pesquisa, discutindo as condições para a existência de vida fora da Terra e os desafios da busca por biossinais em exoplanetas.
O Prêmio Templeton
O Prêmio Templeton foi criado em 1972 pelo filantropo britânico John Templeton para reconhecer pessoas que “contribuem de maneira excepcional para afirmar a dimensão espiritual da vida, seja por meio de insights, descobertas ou trabalhos práticos”. O valor do prêmio supera o do Nobel, e já foi concedido a nomes como Madre Teresa de Calcutá (a primeira laureada), Dalai Lama, Desmond Tutu, Charles Taylor, Freeman Dyson e Martin Rees. O Templeton é considerado um dos maiores reconhecimentos mundiais para cientistas, filósofos e líderes espirituais, e frequentemente é comparado ao Nobel em prestígio.
Marcelo Gleiser foi o primeiro latino-americano e o único brasileiro a receber o Templeton, em 2019. A cerimônia ocorreu em Nova York, nos Estados Unidos. Gleiser foi agraciado por seu trabalho pioneiro ao explorar as grandes questões da existência humana, a relação entre ciência e espiritualidade, e por sua defesa do diálogo entre diferentes formas de conhecimento.
Marcelo Gleiser no Fronteiras do Pensamento (Florianópolis, 2013).
Escritor e Divulgador Científico
Além da carreira acadêmica, Gleiser é um dos mais influentes divulgadores científicos do Brasil e do mundo. Divulgação científica: Atividade de comunicar conhecimentos científicos para o público leigo, tornando a ciência acessível e compreensível, e promovendo o pensamento crítico na sociedade. Sua trajetória como escritor começou com um impacto notável, e ele se consolidou como uma voz que une a complexidade da ciência à busca humana por significado.
Seu primeiro livro, ‘A Dança do Universo’, foi publicado em 1997 pela editora Companhia das Letras. A obra rapidamente se tornou um best-seller no Brasil e foi agraciada com o Prêmio Jabuti em 1998, consolidando Gleiser como um dos principais nomes da divulgação científica no país.
Suas principais obras, traduzidas para mais de 15 idiomas, incluem:
‘A Dança do Universo’ (1997): Título em Inglês: ‘The Dancing Universe’ Neste livro, Gleiser traça um panorama da história do pensamento cosmológico, desde os mitos de criação antigos até as teorias científicas modernas, como o Big Bang e a física de partículas. O livro foi um marco na divulgação científica no Brasil por sua linguagem acessível e por conectar a ciência com a filosofia e a busca humana por suas origens.
‘O Fim da Terra e do Céu’ (2001): Gleiser explora a fascinação humana com o fim do mundo, analisando mitos apocalípticos, profecias religiosas e previsões científicas sobre o destino final do universo. A obra discute como a ciência moderna oferece novas narrativas sobre o fim, substituindo o medo pela compreensão racional dos processos cósmicos. Ganhou o Prêmio Jabuti em 2002.
‘Criação Imperfeita’ (2010): Título em Inglês: ‘A Tear at the Edge of Creation’ Publicado no Brasil com o título ‘Criação Imperfeita’, este livro argumenta que as assimetrias e “imperfeições” encontradas na natureza — desde o nível subatômico até as estruturas cósmicas — são a chave para a existência do universo como o conhecemos. A obra desafia a noção de um “design perfeito” e celebra a criatividade inerente aos processos naturais. Ao privilegiar uma visão onde a busca pela ordem perfeita como fundamento da realidade é substituída pela “imperfeição”, pela assimetria como origem dos principais fenômenos que observamos, Gleiser recupera, de certa forma, uma visão epicurista (vazio e partículas movendo-se aleatoriamente) dos fundamentos do conhecimento, em contraste com o platonismo que parece ter sido predominante no pensamento ocidental e está, na verdade, cada vez mais forte.
‘A Ilha do Conhecimento’ (2014): Título em Inglês: ‘The Island of Knowledge’ Usando a metáfora de uma “ilha de conhecimento” em um “oceano de desconhecido”, Gleiser defende que, quanto mais aprendemos sobre o universo, mais vasta se torna a fronteira com o que não sabemos. O livro é uma reflexão sobre os limites da ciência e a importância de reconhecer o mistério como motor da busca humana por conhecimento.
‘A Simples Beleza do Inesperado’ (2016): Título em Inglês: ‘The Simple Beauty of the Unexpected’ (publicado em 2016) Nesta coletânea de ensaios, Gleiser conecta conceitos científicos a experiências cotidianas, explorando temas como o tempo, a vida, a morte e a busca pela felicidade. A obra convida o leitor a encontrar o maravilhamento e a beleza na ciência e no mundo ao seu redor, reforçando uma visão humanista do conhecimento científico.
‘O Despertar do Universo Consciente’ (2024): Título em Inglês: ‘The Dawn of a Mindful Universe’ (publicado em 2023) Copérnico inaugurou uma linha de pensamento (epitomizada pelo princípio que leva seu nome) que tem retirado progressivamente o protagonismo do ser humano da sua própria noção de compreensão do mundo. “Um partícula insignificante em um universo vasto e frio” tornou-se a visão de uma humanidade com uma perspectiva cada vez mais sombria, e Gleiser atribui isso à perda da fagulha da curiosidade, da missão moral e do foco compassivo da ciência. Ele nos convida a recuperar esse sentimento, reconstruir um novo Iluminismo visando salvar a civilização e dar uma nova direção à humanidade.
Além dos livros, Gleiser é colunista, apresentador de programas de TV e rádio, e fundador do Institute for Cross-Disciplinary Engagement (ICE). Nos últimos anos, tem se dedicado a campanhas pela valorização da ciência, do pensamento crítico e pela conservação do planeta, alertando para a urgência de ações em defesa do meio ambiente e da vida na Terra.
Nos últimos anos, Gleiser tem se dedicado a campanhas pela valorização da ciência, do pensamento crítico e pela conservação do planeta, alertando para a urgência de ações em defesa do meio ambiente e da vida na Terra. Uma de suas iniciativas mais recentes é o Podcast The Blind Spot, protagonizado por Gleiser, o físico e divulgador científico Adam Frank, da Universidade de Rochester e o filósofo Evan Thompson, da Universidade da Colúmbia Britânica. No primeiro episódio eles discutiram a natureza do conhecimento, da objetividade e da ciência, e as relações do projeto filosófico e científico ocidental com as religiões monoteístas, um tema recorrente na obra de Gleiser.