English Português

Perfil de sobrevida de pacientes com tumores difusos de tronco cerebral

1 Julho 2018

Os tumores difusos de tronco cerebral são conhecidos pela sigla em inglês DIPG (diffuse intrinsic pontine glioma) e, desde 2016, podem ser clasificados como gliomas difusos de linha média H3K27M+ (através da histologia Histologia (gr hystos = tecido; logos = estudo) é o estudo dos tecidos biológicos de animais e plantas, sua formação, estrutura e função. Em oncologia, o estudo histopatológico (algumas vezes chamado popularmente de “biópsia”) é fundamental para definir o tipo e subtipos de uma neoplasia. de biópsia cirúrgica). Independente da nomenclatura, trata-se do glioma Glioma é um tumor de células gliais, células que protegem, nutrem e dão suporte aos neurônios, podendo ocorrer no encéfalo, na medula espinhal ou mesmo junto a nervos periféricos. São responsáveis por aproximadamente 30% de todos os tumores do sistema nervoso central e por 80% dos tumores malignos primários no cérebro. Podem ser classificados em gliomas de baixo grau (de comportamento geralmente benigno) ou gliomas de alto grau (malignos). Em crianças e adolescentes, ao contrário de adultos, gliomas malignos são menos comuns. maligno mais frequente da pediatria e também o câncer Câncer (lat cancer = caranguejo): grande grupo de doenças muito diferentes entre si, tendo em comum a proliferação celular incessante e desordenada, a capacidade de invadir localmente tecidos saudáveis do organismo e a capacidade de se espalhar para locais distantes (metástases). Os diversos tipos de câncer são teoricamente oriundos de uma única célula (origem clonal) a qual sofreu mutações em seu código genético. Saiba mais aqui. cerebral de crianças e adolescentes que mais mata.

Um estudo da Société Internationale d’Oncologie Pédiatrique (SIOP), publicado no Journal of Clinical Oncology, mostrou o perfil de crianças e adolescentes que sobreviveram ao DIPG.

Para isso, os pesquisadores avaliaram 1130 casos de DIPG confirmado radiologicamente, tratados na Europa e nos EUA. Deste total de pacientes, 122 casos foram excluídos do estudo. do restante (1008 casos), 101 (10%) sobreviveram mais do que 2 anos (sobreviventes de longo prazo).

A sobrevida do grupo todo foi de 43% em 1 ano após o diagnóstico, 9,6% em 2 anos e 2,2% em 5 anos. Na análise univariada, os sobreviventes de longo prazo tinham, mais frequentemente, ou menos que 3 anos ou mais que 10 anos, receberam quimioterapia Quimioterapia refere-se ao tratamento de doenças por substâncias químicas que afetam o funcionamento celular. Pode ser quimioterapia antimicrobiana, quimioterapia antiviral, quimioterapia anticâncer, etc. Popularmente, o termo refere-se à quimioterapia anticâncer ou antineoplásica, um dos tratamentos do câncer onde são utilizadas drogas capazes de induzir morte celular. As células de câncer são mais sensíveis à quimioterapia, por se multiplicarem rapidamente. Células normais também podem ser afetadas, ocasionando diversos efeitos colaterais, como a queda de cabelo. ou outra terapia sistêmica com mais frequência, além de duração de sintomas mais longa. Por outro lado, os pacientes com menor sobrevida tinham mais paresia de pares cranianos, captação anelada de contraste, necrose e extensão extrapontina.

Os autores fizeram análise por regressão logística para selecionar os fatores associados à sobrevida dos pacientes. Eles calcularam a razão de chances (OR) A razão de chances ou razão de possibilidades (em inglês: odds ratio; abreviatura O.R.) é definida como a razão entre a chance de um evento ocorrer em um grupo e a chance de ocorrer em outro grupo. Chance ou possibilidade é a probabilidade de ocorrência deste evento dividida pela probabilidade da não ocorrência do mesmo evento. Esses grupos podem ser, por exemplo, amostras de pessoas com ou sem uma doença, no qual se quer medir a chance dessa pessoa ter sido exposta a um determinado agente. Uma razão de chances de 1 indica que a condição sob estudo é igualmente provável de ocorrer nos dois grupos. Uma razão de chances maior do que 1 indica que a condição tem maior probabilidade de ocorrer no primeiro grupo. Finalmente, uma razão de chances menor do que 1 indica que a probabilidade é menor no primeiro grupo do que no segundo. e intervalos de confiança de 95% (IC 95%) Em estatística, intervalo de confiança (IC) é um tipo de estimativa por intervalo de um parâmetro populacional desconhecido. É um intervalo observado (calculado a partir de observações) que pode variar de amostra para amostra e que com dada frequência (nível de confiança) inclui o parâmetro de interesse real não observável. O nível de confiança é a frequência com a qual o intervalo observado contém o parâmetro real de interesse quando o experimento é repetido várias vezes. . Os sobreviventes de longo prazo eram aqueles com menos de 3 anos ou mais de 10 anos, maior tempo de sintomas, que receberam terapia sistêmica e apresentavam a mutação do gene HIST1H3B.

Esses achados são semelhantes ao modelo preditivo de sobrevida do DIPG proposto em 2015 por Jansen et al. Os autores desse modelo examinaram um grupo de 316 pacientes com DIPG tratados na Holanda e realizaram uma análise estatística para definir fatores prognósticos que prediziam mortalidade. Eles realizaram análise de regressão de Cox para selecionar variáveis. Calcularam razão de riscos (HR) Na análise de sobrevivência, a taxa ou razão de riscos (hazard ratio, HR) é a razão das taxas de risco correspondentes às condições descritas por dois níveis de uma variável explicativa. Por exemplo, em um estudo sobre uma exposição a um fator de risco, a população exposta pode morrer com o dobro da taxa por unidade de tempo que a população controle. A razão de risco seria 2, indicando maior risco de morte pela exposição. e IC 95%. Os fatores que mostraram significância estatística em sua análise (veja tabela abaixo) foram incluídos no modelo final. Esse modelo foi usado para criar um escore de risco, estratificando os pacientes em grupos de risco padrão, intermediário e alto.

Em um estudo posterior (Veldhuijzen van Zanten et al, 2017), o mesmo grupo publicou um estudo de validação desse modelo analisando um grupo independente de 249 pacientes com DIPG. Nesse caso, eles não conseguiram reproduzir os mesmos resultados do trabalho anterior e a validação falhou em mostrar significância estatística para os mesmos fatores preditivos usados, exceto o tratamento com quimioterapia associada à radioterapia. No entanto, os autores consideraram a validação do escore de risco derivado do modelo bem-sucedida, pois os pacientes do grupo de validação puderam ser estratificados de maneira estatisticamente significativa nos 3 grupos de risco. Uma observação minha é que, no modelo de Jansen, a comparação entre os grupos de risco foi feita com análise univariada, com alta significância (p < 0,0001), mas sem comparação entre grupos. Já na validação, os autores compararam os HR entre grupos, obtendo significância estatística mais modesta (p < 0,05) apenas entre os grupos de risco padrão e alto risco. A diferença entre o grupo de risco intermediário e os outros grupos não foi significativa.

Afinal, esses fatores são importantes para classificar os pacientes com DIPG e prever seu risco? A resposta é complicada pelo fato de que a metodologia do estudo SIOP foi diferente da usada para definir o modelo preditivo de Jansen. Mesmo assim, a semelhança entre os fatores é notável. Analisar a importância disso requer senso crítico.

Em primeiro lugar, os fatores avaliados no trabalho da SIOP não foram escolhidos casualmente, nem foram selecionados aleatoriamente entre muitos outros. Os autores desta avaliação da SIOP usaram estes fatores porque outros trabalhos anteriores, incluindo o modelo de Jansen, tinham mostrado sua possível importância. Ou seja, a escolha dos fatores foi dirigida e a semelhança entre os fatores encontrados nos diferentes trabalhos não é coincidência.

Além disso, um dos parâmetros mais importantes a ser avaliado quando se analisa fatores de prognóstico (e uma das coisas mais negligenciadas) é o intervalo de confiança. Do que se trata isso? Bom, rapidamente, quando se fala em IC 95% entende-se que se fizermos um número n de amostragens aleatórias na população que estamos estudando, 95% das médias dessas amostras devem ficar dentro do IC 95%. Nesse caso particular, isso significa que, se repetíssemos a mesma investigação em 100 grupos diferentes de pacientes, aproximadamente a média de 95 destas repetições deveria ficar dentro do IC 95% que calculamos. Na estatística, isso é um dos pontos mais próximos da verdade que podemos chegar.

Bem, então vamos ver os IC 95% dos fatores avaliados no modelo de Jansen e no trabalho da SIOP. No modelo de Jansen, a idade maior ou igual a 3 anos correlacionou-se com um aumento de HR. Como o valor de HR foi de quase 2, podemos dizer que o risco de falecer era quase o dobro em crianças maiores de 3 anos, em comparação com menores. Mas observe o IC 95%, ele varia de 1,01 a 3,8. No caso de um HR igual a 1,01 (que, pela definição do IC 95%, poderíamos encontrar numa repetição aleatória do estudo), o aumento de risco em maiores de 3 anos seria de apenas 1%!

Fator modelo preditivo Risco - HR (IC 95%) Jansen Risco - HR (IC 95%) Validação Sobrevida - OR (IC 95%) SIOP
Idade ≥ 3 anos 1,95 (1,01 - 3,8) 1,29 (0,72 - 1,84) -
Idade > 10 anos - - 2,24 (1,27 - 3,96)
Duração dos sintomas (meses) 0,92 (0,86 - 0,97) 0,93 (0,85 - 1,01) -
Duração dos sintomas (> 24 semanas) - - 5,7 (2,77 - 14,54)
Captação anelada 1,41 (1,07 - 1,84) 1,07 (0,78 - 1,36) -
Mutação H3F3A - - 1,14 (1,01 - 1,28)
Mutação HIST1H3B - - 0,78 (0,67 - 0,91)
Quimioterapia 0,65 (0,49 - 0,99) 0,51 (0,20 - 0,82) -
Terapia sistêmica (quimioterapia ou outra) - - 3 (1,46 - 7,3)

Tabela: Fatores preditivos do modelo multivariado de Jansen (2015), com razão de riscos (HR) e seu intervalo de confiança de 95% para risco de mortalidade (quanto maior o valor, maior o risco). Validação do modelo de Jansen por Veldhuijzen et al (mesmos preditores). Razão de chances (OR) e seu intervalo de confiança de 95% para sobrevida (quanto maior o valor, maior a sobrevida) na análise multivariada do estudo SIOP.

O que podemos entender disso? Que, mesmo que a idade maior ou igual a 3 anos tenha sido classificada como fator preditivo no modelo de Jansen, isso não nos dá muita certeza de um efeito grande! Um por cento de risco não parece grande coisa, e nesse caso não é, realmente. Quando os IC 95% de medidas de efeito (como o HR ou o OR) são muito amplos, isso indica uma falta de certeza no tamanho desse efeito. Se observarmos os IC 95% dos HR do modelo de Jansen, todos são bem amplos, o que indica que o tamanho dos efeitos medidos pode ser muito variável e inclusive ser muito pequeno.

Isso pode ser explicado de várias maneiras. A primeira coisa a se pensar é se a metodologia do trabalho foi adequada. Quando se trata de medidas de efeito, é muito importante saber se o estudo teve poder estatístico A potência estatística ou poder estatístico de um teste de hipóteses binário é a probabilidade de que o teste rejeite corretamente a hipótese nula quando uma hipótese alternativa é verdadeira. A potência estatística vai de 0 a 1. Conforme a potência estatística aumenta, a probabilidade de cometer um erro diminui. A maioria dos pesquisadores avalia a potência de seus testes usando o valor de 0,80 como um padrão. para detectar o efeito desejado. Esse poder estatístico é calculado de antemão, quando se planeja um estudo prospecivo. Infelizmente, por descuido, muitos trabalhos acabam sendo realizados com baixo poder estatístico. Isso poderia explicar a falta de certeza no tamanho do efeito e o IC95 muito grande. Para consertar isso, somente repetindo o estudo, dessa vez com um poder estatístico adequado.

Os estudos foram feitos com poder estatístico suficiente? Esses trabalhos foram retrospectivos, dessa forma não se faz o mesmo cálculo de poder estatístico realizado em trabalhos prospectivos. Pode-se calcular um poder estatístico retrospectivo ou post-hoc, no entanto, esse tipo de cálculo pode não ser informativo e ainda levar a erros de julgamento. Assim, para análises retropectivas, o poder estatístico não deve ser o foco, e sim os intervalos de confiança. Os autores dos trabalhos não informam o poder estatístico das análises realizadas, exceto a validação, a qual é descrita como “com poder estatístico discretamente baixo”.

Outra explicação possível para um IC95 exagerado e falta de confiança no tamanho do efeito observado é a existência de outros fatores ainda desconhecidos, que não foram lembrados e que poderiam afetar o modelo preditivo. A existência de fatores ocultos pode fazer com que um modelo fique incompleto e reduzir a confiabilidade dele. Como fazer para descobrir isso? Realizar mais estudos e tentar descobrir fatores que ainda não levamos em conta.

No caso das OR calculados no trabalho do SIOP, os IC 95% também são bastante amplos. Isso indicaria a existência de possíveis fatores de prognóstico ocultos, talvez mais importantes do que os fatores já encontrados, que poderiam completar o quadro que se tem no momento. Isso mostra a necessidade de mais estudos, mais pesquisas, incluindo pesquisa básica para descobrir novos fatos que ainda são desconhecidos hoje em dia. É para isso que a pesquisa médica serve: para ajudar a salvar vidas através da investigação científica.

dipg

Figura: glioma pontino intrínseco difuso (imagem de ressonância magnética). Créditos Katherine E. Warren (2012) CC BY 3.0, via Wikimedia Commons

Esta postagem não representa sugestão de tratamento. Apenas um especialista pode judiciosamente decidir quais informações divulgadas podem modificar de alguma forma um esquema de tratamento, e de que forma.

Leia a publicação do modelo da SIOP:

Leia também as publicações do modelo de Jansen e sua validação:

Perfil de sobrevida de pacientes com tumores difusos de tronco cerebral - July 1, 2018 - fhcflx