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Medicina quântica: a farsa

14 Agosto 2017

Escrito por Francisco H. C. Felix

Que me perdoem os crédulos, mas um mínimo de bom senso é fundamental. Para começo de conversa, declaro logo que não defenderei nenhum conceito que use a palavra “quântico(a)” diferente da física. Então, se você é uma pessoa que “acredita” em qualquer coisa quântica, pode ignorar essa postagem. Porém, se você não tem “opinião” formada sobre o assunto ou apenas é curioso e quer alguma informação coerente, pode continuar, prometo que não se decepcionará Nota do autor: Este texto, revisado após quase 8 anos, apresenta algumas simplificações e deficiências previsíveis. O panorama geral, porém, permanece verdadeiro. Atualmente, vivemos uma profunda crise de incompreensão e falta de instrução sobre fatos científicos, tornando reflexões como esta cada vez mais urgentes. .

Vamos começar com uma separação importante: a diferença entre uma observação e uma opinião. Algumas pessoas declaram que “ciência não é opinião” ou “ninguém pode escolher se acredita ou não em ciência” e eu confesso que, dito dessa forma, parecem afirmações bastante autoritárias. Mas é bastante fácil clarificar esse e outros mal-entendidos se simplificarmos a questão entre dois conceitos bem (aparentemente) óbvios: observação e opinião, e a diferença entre eles. Nos dois conceitos, temos um denominador comum: o sujeito. Alguém observa, alguém opina. Também temos, nas duas situações, um outro elemento comum: um objeto. Alguém observa algo, alguém opina sobre algo Observação vs. Opinião: A ciência se baseia em observações objetivas do mundo, enquanto opiniões são julgamentos subjetivos. O método científico busca minimizar a influência de opiniões pessoais na interpretação dos fatos.
Referência: Popper, K. (1959). The Logic of Scientific Discovery.
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Para entender a diferença entre observar e opinar, imaginemos a seguinte situação: você está diante de um rio e vê, ao longo de um dia, algumas pessoas tentarem atravessá-lo. Cinco viajantes tentam, quatro falham e apenas um consegue. Um dos infortunados que não conseguiu acabou se afogando. Então, o sexto viajante chega e vê você, parado ali. Imaginando que você saberia algo sobre aquele rio, ele pergunta: “esse rio é seguro?” Diante do que você observou, a resposta óbvia é apenas uma: “não”. Se você acreditar em destino ou não, se tiver vontade de defender o livre arbítrio ou não, se tiver medo de espíritos ou não, nenhuma de suas crenças muda o que você observou. Não, o rio não é seguro, baseando-se no fato de que apenas 1 em cada 5 pessoas conseguiu atravessá-lo e, ainda por cima, uma acabou morrendo ao tentar. Não é sua opinião no sentido que não depende daquilo em que você acredita (a não ser que você acredite que suas observações podem ser falsas).

Um outro viajante, o sétimo, chega e vê você e o sexto viajante conversando. Ele chega perto e pergunta: “devo atravessar o rio?” Antes que você fale, o sexto viajante responde: “esse homem acredita que você não deve, mas eu sou da opinião contrária”. O sétimo viajante, então, entende que existem duas opiniões divergentes e que ele deve escolher entre elas. Como ele não costuma recuar diante de adversidades, ele prefere escutar a opinião do sexto viajante. Então afoga-se ao tentar atravessar o rio.

O sexto viajante deu uma opinião sobre o que o outro homem deveria fazer. Acontece que não foi uma opinião baseada em observação, sabe-se lá no que foi baseada. O sétimo viajante, na verdade, confundiu aquela situação. Ele pediu uma opinião, um julgamento, sobre a ação que ele pretendia realizar. Ele não perguntou sobre observações. Ele recebeu uma resposta que refletiu sua pergunta, uma pergunta que mostrou-se errada por tê-lo induzido a perecer no rio. As pessoas repetidamente cometem este tipo de erro. Ao invés de inquirir “o que é isso?” ou “o que você viu?” para outras pessoas, acabam perguntando “o que você faria?” ou, pior ainda, “o que você acha que eu devo fazer?”.

Isso parte apenas do despreparo das pessoas em pensar por si mesmas, ou em outras palavras, em desenvolver um raciocínio crítico. A maioria das pessoas não tem uma noção exata de como (nem porque) fazer isso apenas por desconhecimento. Desconhecem os elementos básicos do raciocínio e como utilizá-los para compreender o mundo e seus fenômenos ou, em outras palavras, não tem noção de lógica. Assim, confundem a utilização de informação com a discussão de idéias. Uma pessoa que tenha o hábito de desenvolver raciocínio crítico, ou seja, que usa a lógica para avaliar a informação e as idéias, não cometeria um erro desses tão facilmente.

Um oitavo viajante chega no local e já vai perguntando: “quem de vocês conhece este rio?” O sexto viajante dá de ombros, mas você pode responder: “eu passei boa parte do dia aqui e vi várias pessoas tentanto atravessá-lo. A travessia é difícil e dois já se afogaram.” Agradecido, o oitavo viajante desiste de tentar passar o rio ali naquele local e parte para procurar um local onde a travessia seja mais fácil. Ele não perguntou a opinião de ninguém sobre o rio. Ele quis se inteirar das observações sobre o curso de água. Isso evitou que ele talvez se afogasse naquele dia.

Em resumo, como a ciência é um método de observar o mundo, ela acumula informações, conhecimento. Nada no método científico indica que o conhecimento adquirido com a ajuda dele possa ser definitivo. Na verdade, faz parte do método buscar as lacunas do conhecimento, onde as observações prévias não explicam os novos fenômenos, para assim acumular mais e mais informação. O método científico não envolve, todavia, a discussão sobre o que fazer com o conhecimento. O método científico é uma maneira de descrever observações, mas não de interpretá-las. A interpretação do conhecimento constitui um outro nível de discussão, onde opiniões são importantes Método científico: Processo sistemático de observação, formulação de hipóteses, experimentação e revisão. O conhecimento científico é sempre provisório e pode ser revisado diante de novas evidências.
Referência: Chalmers, A. F. (2013). What Is This Thing Called Science?
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Dessa forma, quando se diz que ninguém pode ter uma opinião sobre a ciência, na verdade leia-se que é ilógico tecer opiniões sobre observações realizadas com o método científico. Todavia, torna-se perfeitamente lógico discutir opiniões sobre o que fazer com o conhecimento. Por exemplo, os moradores da vizinhança do rio poderiam discutir a importância de construir uma ponte para permitir a travessia com segurança. Seria uma atitude lógica e produtiva. Evitaria perdas de vidas.

Se um místico, porém, chegasse ensinando que os cientistas são materialistas autoritários e que bastava o pensamento positivo para que o universo conspirasse para as pessoas caminharem sobre a água, isso provavelmente levaria a um aumento recorde de afogamentos. A realidade não muda com as opiniões. O que nós fazemos com a realidade que temos muda Realidade vs. Opinião: A realidade física é independente das crenças ou opiniões humanas. O papel da ciência é descrever essa realidade da forma mais precisa possível.
Referência: Sagan, C. (1996). O Mundo Assombrado pelos Demônios.
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Compreendendo isto, podemos falar sobre a Física quântica. Ela é uma teoria científica, ou seja, uma forma de organizar o conhecimento científico adquirido através de observações e fazer previsões sobre o que talvez encontremos no futuro. Teorias científicas envolvem o uso de conhecimento científico para fazer previsões testáveis. Essas previsões vão confirmar a teoria ou não. Neste último caso, refutando-se parte ou toda uma teoria, esta teoria deve ser atualizada, adaptada às observações. A partir daí, com a nova teoria atualizada, mais previsões são feitas. E assim repete-se o ciclo. As teorias científicas fazem parte do método científico. São ferramentas para acumular cada vez mais conhecimento Teorias científicas: São modelos explicativos baseados em evidências e observações. Sempre provisórias, podem ser revisadas ou substituídas diante de novos dados.
Referência: Kuhn, T. S. (1962). A Estrutura das Revoluções Científicas.
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É possível que existam opiniões divergentes sobre uma teoria científica, mas apenas enquanto as observações não são realizadas para testar a teoria. Se as observações comprovam uma opinião (uma parte da teoria) muito bem, ela mantém-se. As outras opiniões são abandonadas. No século XVI, Johannes Kepler questionava-se sobre o formato das órbitas dos planetas. Em sua opinião, a forma circular era mais perfeita e elegante e deveria ser a real. No entanto, suas observações nunca comprovaram sua opinião (teoria) e ele foi forçado a rever suas idéias.

Admitindo que as observações só poderiam ser explicadas por órbitas planetárias elípticas, ele criou as leis que descrevem o movimento planetário. A opinião de Kepler não venceu a observação, pois uma opinião não muda a realidade. Nós é que temos que nos adaptar à realidade, não o contrário.

As teorias científicas usam muito a linguagem matemática para expressar suas inferências. Na física, uma área essencialmente quantitativa (na qual lida-se com fenômenos que são medidos) e em outras áreas igualmente ou parcialmente quantitativas, o uso da matemática é essencial para a elaboração de teorias. As fórmulas matemáticas mostram como diversos fenômenos se comportam e se relacionam entre si. Um exemplo é a segunda lei de Newton, a qual pode ser expressa na célebre fórmula F = ma. Essa fórmula mostra como uma força aplicada a um corpo qualquer se relaciona com a massa desse corpo e com o movimento dele Matemática na ciência: A matemática é a linguagem formal da ciência, permitindo descrever e prever fenômenos naturais com precisão. Embora o uso da matemática para descrever fenômenos naturais remonte pelo menos à antiga civilização da Mesopotâmia, a tradição científica ocidental moderna começou mesmo com a redescoberta de textos dos períodos clássico e helenístico da civilização Greco-romana e dos autores islâmicos. Ainda na Idade Média e na renascença, circularam na Europa traduções de experimentalistas islâmicos como Ibn al-Haytham (árabe, autor de um Livro de Óptica em 1021, defensor do ceticismo, empirismo, método indutivo e precursor da idéia da Navalha de Occam), Al-Biruni (persa da mesma época, defensor do cuidado com vieses observacionais e erros sistemáticos através da análise quantitativa) e Ibn Sina (ou Avicena, filósofo e médico persa que descreveu métodos indutivos análogos aos do empirista britânico John Stuart Mill). Precursores ocidentais do método científico, como os ingleses Robert Grosseteste e Francis Bacon (século 13), foram influenciados por estes textos. O século 16 viu surgirem catalistas importantes como a imprensa de Gutenberg (século 15), a revolução Copernicana, a astronomia de Tycho Brahe (Dinamarca) e seu assistente Johannes Kepler (Alemanha), além de um ambiente socio-politico-economico emergente baseado no colonialismo, levando ao que foi denominado, no século 20, de “revolução científica”. Nessa época, novas traduções recuperaram o pensamento empirista de Galeno de Pérgamon (médico, século 2, Ásia Menor) e o ceticismo de Sexto Empírico (filósofo, século 2, Império Romano), que se tornaram amplamente influentes na Europa. Porém, o grande precursor do método observacional moderno e da descrição matemática rigorosa das ciências foi o italiano de Pisa, Galileu Galilei. Em 1623 ele publicou Il Saggiatore (O Ensaiador), uma obra na forma de uma carta ao Papa Urbano Oitavo, na qual enuncia sua famosa frase “A filosofia encontra-se escrita neste grande livro (…), o universo, (…) em língua matemática.” Nessa época, não havia a distinção que se faz hoje entre ciência e filosofia. Uma das coisas que chama a atenção nesse livro de Galileu é sua denúncia sobre as mentiras, a difamação e a perseguição que suas idéias lhe renderam. Isso culminaria com sua prisão domiciliar em 1633. É preciso lembrar que Galileu não foi jogado na prisão ou até executado por ser amigo pessoal do papa. Mas sua obra mais famosa, “Diálogo sobre os Dois Principais Sistemas do Mundo” foi demais para a igreja por defender o heliocentrismo de uma forma que ridicularizava o sistema aristotélico geocêntrico. Todavia, é em “O Ensaiador”, considerado seu principal “manifesto”, onde suas idéias sobre o método científico estão expostas.
Leia mais: Galileu Galilei, O Ensaiador, Abril Cultural, tradução de Helda Barraco, 1973.
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Nessa fórmula, não interessa a composição do corpo, mas apenas a grandeza massa. No entanto, a fórmula não tem nada a dizer sobre a natureza da massa ou porque os corpos têm massa. Na verdade, faz bem pouco tempo que a física comprovou com experimentos a teoria mais aceita sobre porque existem objetos com massa em nossa realidade (por acaso, a teoria quântica). Uma coisa interessante sobre a natureza matemática da segunda lei de Newton é que uma pessoa que não entenda nada de matemática e nem domine seus conceitos básicos como força ou aceleração jamais vai realmente entendê-la.

É possível explicar a segunda lei de Newton sem recorrer à matemática, usando analogias ou imagens aproximadas. Mas nunca vai ser a mesma coisa de alguém que domina a matemática básica e sabe fazer regra de três, a única coisa necessária para resolver aqueles exercícios chatos sobre dinâmica do colégio. Para a maioria de nós, F = ma é banal e corriqueira, pois entendemos sua matemática, a qual é simples para nossa compreensão. Sabemos, também, que é apenas uma equação baseada em observações e que não tem nada a ver com a natureza da realidade. Isso não impediria uma pessoa qualquer de, por exemplo, criar o “culto à Santa Força”, onde seríamos ensinados como a Força mística cria a realidade.

Dá para contar qualquer história sem muito nexo com a realidade com qualquer equação da física, por mais simples. É só encontrar uma audiência, um público que não entende do que você está falando e que vai engolir tudo o que for dito sem discutir nada. É dessa forma que funcionam os charlatanismos “quânticos”.

A física quântica é um modelo que explica o comportamento das partículas que compõem a matéria e as interações entre elas. Este modelo baseia-se nas observações de inúmeros pesquisadores e nas idéias criativas de alguns deles. Estas idéias são expressas em forma de equações. Várias equações foram calculadas na física quântica, cada uma descrevendo um certo conjunto de fenômenos. Uma das equações mais conhecidas é a Equação de Schrödinger: Ĥψ = Eψ. Essa, na verdade, é uma simplificação dela. Essa equação indica como calcular o estado de sistemas que se comportam de forma quântica. Como eu não domino a matemática da física quântica, não tenho como explicar realmente como utilizá-la.

A física quântica, como teoria científica, é considerada a mais bem sucedida da história da física. O que isso quer dizer? Que as predições feitas com suas equações atingem o maior grau de precisão jamais obtida com uma teoria física. Essa é uma abordagem quantitativa de entender o quão apropriada é a física quântica para descrever fenômenos. Quando um leigo como eu tenta alcançar o que isso quer dizer, todavia, a coisa se complica. Como eu não domino a matemática, minha única escolha é utilizar metáforas e imagens aproximadas.

Dessa limitação vêm os principais mitos sobre a física quântica Física quântica e mitos: A física quântica descreve o comportamento do mundo microscópico, desde o nível de partículas subatômicas até objetos simples com alguns micrômetros. Embora objetos cada vez maiores estejam sendo colocados em condições de laboratório descritas pela física quântica, quanto maior o objeto, mais difícil isso fica. Objetos macroscópicos, na nossa escala do dia-a-dia, não são observados demonstrando comportamento quântico. Logo, suas equações e conceitos não se aplicam diretamente ao mundo macroscópico. Não faz sentido, por exemplo, dizer que duas pessoas possam experimentar entrelaçamento quântico, ou que uma pessoa possa ocupar dois estados quânticos ao mesmo tempo. Isso significa que o famoso experimento mental do gato de Schrödinger sempre foi apenas isso: uma especulação sem conexão com a realidade. Schrödinger criou este experimento mental para apontar contradições na física quântica, a qual ele acreditava ser imperfeita. Além disso, ele não gostava de gatos. A física quântica descreve que partículas elementares da matéria não podem apresentar qualquer valor arbitrário possível de energia. Elas ocupam níveis específicos de energia e podem “saltar” de um valor para outro mais alto ou baixo, diretamente, sem ocupar estados intermediários. Esses níveis de energia são denominados quanta, daí a denominação quântica. O uso desses termos fora do contexto científico, como em “medicina quântica”, caracteriza pseudociência. Pode-se argumentar que a medicina utiliza algumas técnicas com mecanismos baseados em física quântica como, por exemplo, a tomografia por emissão de pósitrons (PET). Todavia, isso não autoriza ninguém a falar de uma “medicina quântica”, pois embora a PET dependa de fenômenos quânticos para funcionar, os pacientes, os profissionais e o resultado do exame em si são macroscópicos e, por conseguinte, não demonstram comportamento quântico. Richard Feynman, físico e divulgador de ciência norte-americano, sugeriu em uma palestra de 1966 um método para descobrir se uma afirmação era científica ou pseudo-científica. Ele orientou a pedir para o proponente da afirmação que a explicasse em termos leigos, o mais simples possível. Dessa forma, seria exposto se a lógica era realmente coerente ou tudo não passava de um amontoado de palavras de aspecto técnico, mas num conjunto sem sentido. Infelizmente, nas últimas 6 décadas os charlatães se especializaram em iludir as pessoas de forma cada vez mais sutil, e esse “teste” do Feynman nem sempre é fácil.
Leia mais: Feynman, R. P. (1985). QED: The Strange Theory of Light and Matter.
. O mais comum, o de que ela é contra-intuitiva e, assim, deve descrever um “nível mais profundo” da realidade. Esse mito vem do fato de que leigos como eu ou você não entendem bem os conceitos que a teoria usa ou os fenômenos que ela explica. Fundamentalmente, a física quântica explica fenômenos no domínio das partículas fundamentais da matéria. Um dos erros mais comuns é “entender” a física quântica como “rompendo” a visão de que as partículas têm uma existência física observável. Um dos exemplos mais citados é o de que a física quântica descreve as partes mais fundamentais da matéria como sendo, ao mesmo tempo, ondas e partículas.

Nós leigos, na verdade, é que vemos as partículas como objetos macroscópicos miniaturizados, como “bolinhas” num imenso jogo de bilhar fundamental. Para ser exato, nem mesmo na física clássica as partículas fundamentais são interpretadas assim. As partículas fundamentais, para os físicos, são objetos que interagem entre si de acordo com leis matemáticas previsíveis. Implicitamente, as partículas eram vistas como objetos unidimensionais, como pontos sem extensão. Antes da física quântica, as equações nada falavam sobre sua natureza. A partir da física quântica, entende-se as partículas como a manifestação de um “campo de energia” (que novamente é uma analogia para leigos, imperfeita).

O comportamento destes “campos de energia” é descrito por equações matemáticas cujos resultados são probabilísticos, ou seja, referem-se a uma probabilidade de ocorrer fenômenos. Um parêntese: quando falo de “campos de energia”, não me refiro a qualquer noção esdrúxula, não é “energia vital”, “energon”, “all spark”, “speed force”, “energia vibracional”, ou qualquer coisa que se imaginar. Na verdade, a própria palavra “energia” não é realmente adequada, pois estes campos descrevem as interações fundamentais da matéria (como o eletromagnetismo e a gravidade) e não exatamente “energias”. A noção importante é que a matemática da física quântica dá resultados em forma de probabilidades, não sendo determinística. Daí a achar que essas equações, criadas para descrever fenômenos do domínio subatômico, têm a ver com a “natureza fundamental da realidade” é um salto que a maioria dos físicos não endossa.

A idéia da dualidade onda-partícula tem origem na natureza probabilística da matemática da física quântica. A partir dessa matemática, pode-se calcular uma “probabilidade” de se observar uma partícula, ou dessa partícula interagir com outra, e essa probabilidade é descrita graficamente como uma função de onda. Leigos acabam entendendo essa dualidade, que é um conceito matemático abstrato, como se as partículas pudessem ser, ao mesmo tempo, “bolinhas” e “ondulações” (como aquelas da superfície da água). Essas imagens são analogias usadas para facilitar a comunicação com quem não entende a matemática, como eu ou você. Isso não quer dizer que correspondam à “natureza fundamental da realidade”.

Idéias como entrelaçamento quântico, princípio da incerteza e outras são igualmente mal interpretadas para dar origem a conceitos que não podem de forma alguma ser abstraídos da física quântica. É o mau uso das noções da física quântica, que vem do fato de pouca gente ter uma compreensão profunda sobre ela, que está na origem de tantos mal entendidos.

Igualmente, usar conceitos supostamente vindos da física quântica (na sua maioria, metáforas usadas para facilitar o entendimento de leigos) aplicando-os à fenômenos que nada têm a ver nem mesmo com a física é, na melhor das hipóteses, pura má fé. É o caso, por exemplo, da chamada medicina quântica. Supostamente, ela aplicaria as “idéias quânticas” (que não são idéias, são figuras de linguagem, nem tem nada a ver com a física quântica, que é matemática) no domínio da saúde.

A física que descreve objetos no domínio que nossos sentidos conseguem apreender, o domínio macroscópico, é essencialmente uma física clássica, que não tem nada a ver com a física quântica. Não faz sentido tentar aplicar as equações da física quântica, por exemplo, a uma cadeira ou a minha cabeça. Ou as vasos sanguíneos no seu braço, ou seus neurônios. Esses são objetos macroscópicos que podem ser descritos pela física clássica, mas não pela física das partículas fundamentais. É tão errado acreditar que o entrelaçamento quântico possa ocorrer entre duas pessoas quanto achar que eu posso empilhar grãos de areia em cima uns dos outros até formar uma coluna da espessura de um grão e da altura de um prédio.

Qualquer pessoa pode entender que uma pilha de tijolos e uma pilha de grãos de areia se comportam de maneiras bem diferentes. Não deveria haver tanta dificuldade assim em entender que o comportamento de elétrons não pode ter muito a ver com o funcionamento do nosso estômago ou de nosso sistema imunológico. Mas, como se tratam de fenômenos fora da nossa experiência cotidiana sobre os quais compreendemos pouco, não temos como julgar alegações de que a nossa saúde possa ser “quântica”.

Não é preciso esmiuçar as alegativas de quem quer que sejam os defensores da “medicina quântica” ou “cura quântica”. Acreditar que leis que regem o comportamento de prótons e nêutrons e forças como o eletromagnetismo possam ser aplicadas ao mecanismo da saúde e da doença em nossos organismos é, no mínimo, erro grosseiro. Na maioria dos casos, trata-se também de exploração da boa fé e da falta de entendimento das pessoas. Medicina quântica é simplesmente uma farsa. Não caia nessa.

P.S.: texto acrescentado em 2025 nas notas laterais.

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