English Português

Medicina quântica: a farsa

14 Agosto 2017

Escrito por Francisco H. C. Felix

Que me perdoem os crédulos, mas um mínimo de bom senso é fundamental Nota do autor: Este texto, revisado após quase 8 anos, apresenta algumas simplificações e deficiências previsíveis. O panorama geral, porém, permanece verdadeiro. Atualmente, vivemos uma profunda crise de incompreensão e falta de instrução sobre fatos científicos, tornando reflexões como esta cada vez mais urgentes. . Para começo de conversa, declaro logo que não defenderei nenhum conceito que use a palavra “quântico(a)” diferente da física. Então, se você é uma pessoa que “acredita” em qualquer coisa quântica, pode ignorar essa postagem. Porém, se você não tem “opinião” formada sobre o assunto ou apenas é curioso e quer alguma informação coerente, pode continuar, prometo que não se decepcionará.

Vamos começar com uma separação importante: a diferença entre uma observação Observação vs. Opinião: A ciência fundamenta-se em observações objetivas do mundo, enquanto opiniões são juízos subjetivos. O método científico visa minimizar a influência de vieses pessoais na interpretação dos dados. Na obra A Lógica da Pesquisa Científica, Karl Popper tentou desembaraçar essa questão no empirismo científico. Pensadores como Rudolf Carnap (Alemanha, 1891) e Otto Neurath (Áustria, 1882), ambos importantes na fundação do positivismo lógico—escola que até hoje influencia os conceitos sobre pesquisa científica, embora já há muito criticada—diferenciavam entre dois tipos de enunciados: formais e materiais (ou perceptuais). Enunciados perceptuais (ou materiais/elementares) referem-se à experiência sensorial, enquanto enunciados formais dizem respeito a ideias derivadas da experiência, estruturadas logicamente. Na concepção do indutivismo, os enunciados formais são, então, induzidos pelos enunciados perceptuais. Note que enunciados, ou sentenças, só se relacionam com outros enunciados ou sentenças. Nenhum enunciado se relaciona diretamente com fatos a priori, e essa distinção é importante para Popper. Ele questionou o processo pelo qual se poderia verificar os enunciados perceptuais. Se, como queria Carnap, estes fossem sempre aceitos como verdadeiros e válidos, o que impediria qualquer grupo de pessoas unidas por crenças sem lógica ou veracidade (mas que sustentassem entre si uma narrativa homogênea e “testemunhos” concordantes) de alegarem praticar uma nova “ciência empírica”? Popper tinha em mente os casos específicos da psicanálise e do socialismo quando sugeriu um processo de verificação do conhecimento científico, mas ele desejava generalizar seu critério a fim de corrigir o que via como uma vulnerabilidade do método científico. Sua forma de verificação parte do pressuposto de que não é possível comprovar uma ideia ou teoria científica, mas é possível refutá-la. Matematicamente, não é possível encontrar um valor de um observável com exatidão absoluta, apenas com aproximação que tende ao limite (teorema central do limite) e, num teste de hipóteses, não se prova a hipótese alternativa, mas pode-se refutar a hipótese nula. O critério de Popper, portanto, é o da falseabilidade. Apenas se houver a possibilidade de testar as observações repetidamente e tentar refutá-las (falseá-las), mesmo que isso não seja possível, pode-se falar que uma observação, ideia ou teoria é científica. Eu não chego a expressar isso no texto da postagem, apenas explicito a diferença entre o indutivismo empírico (conhecimento obtido a partir de observações repetidas e cuidadosas) e o pensamento sem base na observação, apenas nas crenças e pressupostos anteriores (opinião). O falsificacionismo, por sua vez, tornou-se um princípio fundamental da metodologia científica contemporânea.
Para saber mais: Popper, K. A lógica da pesquisa científica. Tradução: Leônidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. Editora Cultrix, 2001.
e uma opinião. Algumas pessoas declaram que “ciência não é opinião” ou “ninguém pode escolher se acredita ou não em ciência” e eu confesso que, dito dessa forma, parecem afirmações bastante autoritárias. Mas é bastante fácil clarificar esse e outros mal-entendidos se simplificarmos a questão entre dois conceitos bem (aparentemente) óbvios: observação e opinião, e a diferença entre eles. Nos dois conceitos, temos um denominador comum: o sujeito. Alguém observa, alguém opina. Também temos, nas duas situações, um outro elemento comum: um objeto. Alguém observa algo, alguém opina sobre algo.

Para entender a diferença entre observar e opinar, imaginemos a seguinte situação: você está diante de um rio e vê, ao longo de um dia, algumas pessoas tentarem atravessá-lo. Cinco viajantes tentam, quatro falham e apenas um consegue. Um dos infortunados que não conseguiu acabou se afogando. Então, o sexto viajante chega e vê você, parado ali. Imaginando que você saberia algo sobre aquele rio, ele pergunta: “esse rio é seguro?” Diante do que você observou, a resposta óbvia é apenas uma: “não”. Se você acreditar em destino ou não, se tiver vontade de defender o livre arbítrio ou não, se tiver medo de espíritos ou não, nenhuma de suas crenças muda o que você observou. Não, o rio não é seguro, baseando-se no fato de que apenas 1 em cada 5 pessoas conseguiu atravessá-lo e, ainda por cima, uma acabou morrendo ao tentar. Não é sua opinião no sentido que não depende daquilo em que você acredita (a não ser que você acredite que suas observações podem ser falsas).

Um outro viajante, o sétimo, chega e vê você e o sexto viajante conversando. Ele chega perto e pergunta: “devo atravessar o rio?” Antes que você fale, o sexto viajante responde: “esse homem acredita que você não deve, mas eu sou da opinião contrária”. O sétimo viajante, então, entende que existem duas opiniões divergentes e que ele deve escolher entre elas. Como ele não costuma recuar diante de adversidades, ele prefere escutar a opinião do sexto viajante. Então afoga-se ao tentar atravessar o rio.

O sexto viajante deu uma opinião sobre o que o outro homem deveria fazer. Acontece que não foi uma opinião baseada em observação, sabe-se lá no que foi baseada. O sétimo viajante, na verdade, confundiu aquela situação. Ele pediu uma opinião, um julgamento, sobre a ação que ele pretendia realizar. Ele não perguntou sobre observações. Ele recebeu uma resposta que refletiu sua pergunta, uma pergunta que mostrou-se errada por tê-lo induzido a perecer no rio. As pessoas repetidamente cometem este tipo de erro. Ao invés de inquirir “o que é isso?” ou “o que você viu?” para outras pessoas, acabam perguntando “o que você faria?” ou, pior ainda, “o que você acha que eu devo fazer?”.

Isso parte apenas do despreparo das pessoas em pensar por si mesmas, ou em outras palavras, em desenvolver um raciocínio crítico. A maioria das pessoas não tem uma noção exata de como (nem porque) fazer isso apenas por desconhecimento. Desconhecem os elementos básicos do raciocínio e como utilizá-los para compreender o mundo e seus fenômenos ou, em outras palavras, não tem noção de lógica. Assim, confundem a utilização de informação com a discussão de idéias. Uma pessoa que tenha o hábito de desenvolver raciocínio crítico, ou seja, que usa a lógica para avaliar a informação e as idéias, não cometeria um erro desses tão facilmente.

Um oitavo viajante chega no local e já vai perguntando: “quem de vocês conhece este rio?” O sexto viajante dá de ombros, mas você pode responder: “eu passei boa parte do dia aqui e vi várias pessoas tentanto atravessá-lo. A travessia é difícil e dois já se afogaram.” Agradecido, o oitavo viajante desiste de tentar passar o rio ali naquele local e parte para procurar um local onde a travessia seja mais fácil. Ele não perguntou a opinião de ninguém sobre o rio. Ele quis se inteirar das observações sobre o curso de água. Isso evitou que ele talvez se afogasse naquele dia.

Em resumo, como a ciência é um método de observar o mundo Método científico: Processo sistemático de observação, formulação de hipóteses, experimentação, análise e revisão de resultados. O conhecimento científico é sempre provisório e está sujeito a revisões diante de novas evidências. Esse processo é tradicionalmente associado ao indutivismo, cujas raízes remontam à civilização ocidental antiga. Epicuro (Samos, Grécia, 341 a.C.) foi um dos primeiros a defender o materialismo baseado no conhecimento empírico. A reforma do indutivismo clássico teve início ainda na Idade Média, especialmente no mundo árabe e oriental. O indutivismo empirista da Idade Moderna foi tanto aprofundado quanto questionado nos séculos XIX e XX, com o surgimento do positivismo, do falsificacionismo e do relativismo de Feyerabend (Áustria, 1924). Chalmers (Inglaterra, 1939) buscou desmistificar o método científico, observando que este adquiriu um status quase “religioso” na sociedade contemporânea.
Para saber mais: Chalmers, A. F. O que é ciência, afinal? Tradução: Raul Fiker. Editora Brasiliense, 1993.
, ela acumula informações, conhecimento. Nada no método científico indica que o conhecimento adquirido com a ajuda dele possa ser definitivo. Na verdade, faz parte do método buscar as lacunas do conhecimento, onde as observações prévias não explicam os novos fenômenos, para assim acumular mais e mais informação. O método científico não envolve, todavia, a discussão sobre o que fazer com o conhecimento. O método científico é uma maneira de descrever observações, mas não de interpretá-las. A interpretação do conhecimento constitui um outro nível de discussão, onde opiniões são importantes.

Dessa forma, quando se diz que ninguém pode ter uma opinião sobre a ciência, na verdade leia-se que é ilógico tecer opiniões sobre observações realizadas com o método científico. Todavia, torna-se perfeitamente lógico discutir opiniões sobre o que fazer com o conhecimento. Por exemplo, os moradores da vizinhança do rio poderiam discutir a importância de construir uma ponte para permitir a travessia com segurança. Seria uma atitude lógica e produtiva. Evitaria perdas de vidas.

Se um místico, porém, chegasse ensinando que os cientistas são materialistas autoritários e que bastava o pensamento positivo para que o universo conspirasse para as pessoas caminharem sobre a água, isso provavelmente levaria a um aumento recorde de afogamentos. A realidade não muda com as opiniões Realidade vs. Opinião: A realidade física é independente das crenças e opiniões humanas. O papel da ciência é descrever essa realidade com o máximo de precisão possível. Em seu livro, mais de denúncia do que de divulgação, O Mundo Assombrado pelos Demônios, o astrônomo Carl Sagan (EUA, 1934) descreve diversas maneiras pelas quais as limitações dos sentidos, da cognição e das sociedades humanas podem levar as pessoas a acreditar em afirmações completamente dissociadas da realidade. É frequentemente mais fácil acreditar e defender informações falsas, justamente porque estas não exigem validação externa.
Para saber mais: Sagan, C. O Mundo Assombrado pelos Demônios. Tradução: Rosaura Eichenberg. Companhia das Letras, 1996.
. O que nós fazemos com a realidade que temos muda.

Compreendendo isto, podemos falar sobre a Física quântica. Ela é uma teoria científica, ou seja, uma forma de organizar o conhecimento científico adquirido através de observações e fazer previsões sobre o que talvez encontremos no futuro. Teorias científicas envolvem o uso de conhecimento científico para fazer previsões testáveis. Essas previsões vão confirmar a teoria ou não. Neste último caso, refutando-se parte ou toda uma teoria, esta teoria deve ser atualizada, adaptada às observações. A partir daí, com a nova teoria atualizada, mais previsões são feitas. E assim repete-se o ciclo. As teorias científicas fazem parte do método científico. São ferramentas para acumular cada vez mais conhecimento Teorias científicas: São modelos explicativos fundamentados em evidências e observações. Sempre provisórias, podem ser revisadas ou substituídas à luz de novos dados. Essa definição remonta a Aristóteles (Estagira, Grécia, século IV a.C.), que denominava conhecimento teórico o produto do raciocínio lógico, não diretamente relacionado ao mundo sensível (como a metafísica). Tal concepção foi adaptada pelos filósofos naturais da Idade Moderna, como Galileu Galilei (Pisa, 1564) e Isaac Newton (Inglaterra, 1643), que enfatizaram a importância da observação e da experimentação na formulação de teorias, em contraste com Aristóteles. O termo “cientista” foi cunhado apenas no século XIX pelo filósofo William Whewell (Inglaterra, 1794), defensor da construção de teorias por indução a partir de observações. Essa definição de teoria foi adotada pelo positivismo do século XIX e persistiu no pós-positivismo de Karl Popper (Viena, 1902), que propôs que teorias científicas são conjecturas a serem testadas e falseadas, em vez de confirmadas. Na década de 1960, o filósofo Thomas Kuhn (EUA, 1922) ampliou o conceito de teoria científica ao incluir as revoluções científicas e introduziu a ideia de paradigmas que dominam um campo científico, sendo as transições entre eles propulsoras do progresso científico.
Para saber mais: Kuhn, T. S. A Estrutura das Revoluções Científicas. Tradução: Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. Editora Perspectiva, 1998.
.

É possível que existam opiniões divergentes sobre uma teoria científica, mas apenas enquanto as observações não são realizadas para testar a teoria. Se as observações comprovam uma opinião (uma parte da teoria) muito bem, ela mantém-se. As outras opiniões são abandonadas. No século XVI, Johannes Kepler questionava-se sobre o formato das órbitas dos planetas. Em sua opinião, a forma circular era mais perfeita e elegante e deveria ser a real. No entanto, suas observações nunca comprovaram sua opinião (teoria) e ele foi forçado a rever suas idéias.

Admitindo que as observações só poderiam ser explicadas por órbitas planetárias elípticas, ele criou as leis que descrevem o movimento planetário. A opinião de Kepler não venceu a observação, pois uma opinião não muda a realidade. Nós é que temos que nos adaptar à realidade, não o contrário.

As teorias científicas usam muito a linguagem matemática para expressar suas inferências. Na física, uma área essencialmente quantitativa (na qual lida-se com fenômenos que são medidos) e em outras áreas igualmente ou parcialmente quantitativas, o uso da matemática é essencial para a elaboração de teorias. As fórmulas matemáticas mostram como diversos fenômenos se comportam e se relacionam entre si. Um exemplo é a segunda lei de Newton, a qual pode ser expressa na célebre fórmula F = ma. Essa fórmula mostra como uma força aplicada a um corpo qualquer se relaciona com a massa desse corpo e com o movimento dele Matemática na ciência: A matemática é a linguagem formal da ciência, permitindo a descrição e a previsão precisa de fenômenos naturais. Embora o uso da matemática para descrever fenômenos naturais remonte à antiga Mesopotâmia, a tradição científica ocidental moderna consolidou-se com a redescoberta de textos clássicos e helenísticos da civilização greco-romana e de autores islâmicos. Durante a Idade Média e o Renascimento, circularam na Europa traduções de obras de experimentalistas islâmicos como Ibn al-Haytham (árabe, autor do Livro de Óptica, 1021; defensor do ceticismo, empirismo, método indutivo e precursor da Navalha de Occam), Al-Biruni (persa da mesma época, defensor do controle de vieses observacionais e erros sistemáticos por meio da análise quantitativa) e Ibn Sina (Avicena, filósofo e médico persa que descreveu métodos indutivos análogos aos do empirista britânico John Stuart Mill). Precursores ocidentais do método científico, como os filósofos Robert Grosseteste (Inglaterra, 1175) e Francis Bacon (Inglaterra, 1561), foram influenciados por estes textos. Os séculos XV e XVI testemunharam catalisadores importantes como a imprensa de Gutenberg (Alemanha, 1400), a revolução copernicana (Polônia, 1473), a astronomia de Tycho Brahe (Dinamarca, 1546) e seu assistente Johannes Kepler (Alemanha, 1571), além de um ambiente sociopolítico e econômico emergente, baseado no colonialismo, que culminou na chamada ‘revolução científica’. Nessa época, novas traduções recuperaram o pensamento empirista de Galeno de Pérgamo (médico, Ásia Menor, século II) e o ceticismo de Sexto Empírico (filósofo, Império Romano, século II), que se tornaram amplamente influentes na Europa. O grande precursor do método observacional moderno e da descrição matemática rigorosa das ciências, porém, foi Galileu Galilei (Pisa, 1564). Em 1623 ele publicou Il Saggiatore (O Ensaiador), uma obra na forma de carta ao Papa Urbano VIII, na qual enuncia sua famosa frase: “A filosofia encontra-se escrita neste grande livro (…), o universo, (…) em língua matemática.” Naquela época, não havia a distinção que se faz hoje entre ciência e filosofia. Uma das coisas que chama a atenção nesse livro de Galileu é sua denúncia sobre as mentiras, a difamação e a perseguição que suas ideias lhe renderam, culminando com sua prisão domiciliar em 1633. Vale lembrar que Galileu não foi preso ou executado por ser amigo pessoal do papa. Mas sua obra mais famosa, Diálogo sobre os Dois Principais Sistemas do Mundo, foi demais para a Igreja por defender o heliocentrismo de forma que ridicularizava o sistema aristotélico geocêntrico. Todavia, é em O Ensaiador, considerado seu principal “manifesto”, onde suas ideias sobre o método científico estão expostas. O ápice da ideia de que a matemática reflete o comportamento da natureza e deve ser a linguagem por excelência da ciência foi alcançado com a Philosophiæ Naturalis Principia Mathematica de Isaac Newton (Inglaterra, 1643), que influenciou o pensamento ocidental por séculos.
Para saber mais: Galileu Galilei, O Ensaiador. Tradução: Helda Barraco. Abril Cultural, 1973.
.

Nessa fórmula, não interessa a composição do corpo, mas apenas a grandeza massa. No entanto, a fórmula não tem nada a dizer sobre a natureza da massa ou porque os corpos têm massa. Na verdade, faz bem pouco tempo que a física comprovou com experimentos a teoria mais aceita sobre porque existem objetos com massa em nossa realidade (por acaso, a teoria quântica). Uma coisa interessante sobre a natureza matemática da segunda lei de Newton é que uma pessoa que não entenda nada de matemática e nem domine seus conceitos básicos como força ou aceleração jamais vai realmente entendê-la.

É possível explicar a segunda lei de Newton sem recorrer à matemática, usando analogias ou imagens aproximadas. Mas nunca vai ser a mesma coisa de alguém que domina a matemática básica e sabe fazer regra de três, a única coisa necessária para resolver aqueles exercícios chatos sobre dinâmica do colégio. Para a maioria de nós, F = ma é banal e corriqueira, pois entendemos sua matemática, a qual é simples para nossa compreensão. Sabemos, também, que é apenas uma equação baseada em observações e que não tem nada a ver com a natureza da realidade. Isso não impediria uma pessoa qualquer de, por exemplo, criar o “culto à Santa Força”, onde seríamos ensinados como a Força mística cria a realidade.

Dá para contar qualquer história sem muito nexo com a realidade com qualquer equação da física, por mais simples. É só encontrar uma audiência, um público que não entende do que você está falando e que vai engolir tudo o que for dito sem discutir nada. É dessa forma que funcionam os charlatanismos “quânticos”.

A física quântica é um modelo que explica o comportamento das partículas que compõem a matéria e as interações entre elas. Este modelo baseia-se nas observações de inúmeros pesquisadores e nas idéias criativas de alguns deles. Estas idéias são expressas em forma de equações. Várias equações foram calculadas na física quântica, cada uma descrevendo um certo conjunto de fenômenos. Uma das equações mais conhecidas é a Equação de Schrödinger: Ĥψ = Eψ. Essa, na verdade, é uma simplificação dela. Essa equação indica como calcular o estado de sistemas que se comportam de forma quântica. Como eu não domino a matemática da física quântica, não tenho como explicar realmente como utilizá-la.

A física quântica, como teoria científica, é considerada a mais bem sucedida da história da física. O que isso quer dizer? Que as predições feitas com suas equações atingem o maior grau de precisão jamais obtida com uma teoria física. Essa é uma abordagem quantitativa de entender o quão apropriada é a física quântica para descrever fenômenos. Quando um leigo como eu tenta alcançar o que isso quer dizer, todavia, a coisa se complica. Como eu não domino a matemática, minha única escolha é utilizar metáforas e imagens aproximadas.

Dessa limitação vêm os principais mitos sobre a física quântica. O mais comum, o de que ela é contra-intuitiva e, assim, deve descrever um “nível mais profundo” da realidade. Esse mito vem do fato de que leigos como eu ou você não entendem bem os conceitos que a teoria usa ou os fenômenos que ela explica. Fundamentalmente, a física quântica explica fenômenos no domínio das partículas fundamentais da matéria. Um dos erros mais comuns é “entender” a física quântica como “rompendo” a visão de que as partículas têm uma existência física observável. Um dos exemplos mais citados é o de que a física quântica Física quântica e mitos: A física quântica descreve o comportamento do mundo microscópico, desde partículas subatômicas até objetos simples de alguns micrômetros. Embora objetos cada vez maiores sejam submetidos a condições laboratoriais que permitem a observação de efeitos quânticos, quanto maior o objeto, mais difícil é observar tais fenômenos. Objetos macroscópicos, na escala do cotidiano, não apresentam comportamento quântico observável. Portanto, as equações e conceitos da física quântica não se aplicam diretamente ao mundo macroscópico. Não faz sentido, por exemplo, afirmar que duas pessoas possam experimentar entrelaçamento quântico, ou que uma pessoa possa ocupar dois estados quânticos ao mesmo tempo. Isso significa que o famoso experimento mental do gato de Schrödinger (Áustria, 1887) sempre foi apenas isso: uma ilustração conceitual, sem correspondência direta com a realidade física. Schrödinger criou este experimento mental para apontar contradições na física quântica, a qual ele considerava imperfeita. Além disso, ele não gostava de gatos. A física quântica estabelece que partículas elementares da matéria não podem assumir qualquer valor arbitrário de energia. Elas ocupam níveis específicos de energia e podem “saltar” de um valor para outro mais alto ou mais baixo, diretamente, sem ocupar estados intermediários. Esses níveis de energia são denominados quanta, origem do termo quântica. O uso desses termos fora do contexto científico, como em “medicina quântica”, caracteriza pseudociência. Pode-se argumentar que a medicina emprega técnicas cujos mecanismos dependem da física quântica, como a tomografia por emissão de pósitrons (PET). Todavia, isso não autoriza ninguém a falar de uma “medicina quântica”, pois embora a PET dependa de fenômenos quânticos para funcionar, os pacientes, os profissionais e o resultado do exame em si são macroscópicos e, por conseguinte, não demonstram comportamento quântico. Richard Feynman (EUA, 1918), físico e divulgador científico, sugeriu em uma palestra de 1966 um método para distinguir afirmações científicas de pseudocientíficas. Ele recomendava pedir ao proponente que explicasse sua afirmação em termos leigos, da forma mais simples possível. Assim, ficaria evidente se a lógica era realmente coerente ou se se tratava apenas de um amontoado de palavras técnicas sem sentido real. Infelizmente, nas últimas décadas, charlatães têm se especializado em enganar as pessoas de forma cada vez mais sutil, tornando o “teste” de Feynman nem sempre fácil de aplicar.
Para saber mais: Feynman, R. P. QED: A Estranha Teoria da Luz e da Matéria. Princeton, 1985.
descreve as partes mais fundamentais da matéria como sendo, ao mesmo tempo, ondas e partículas.

Nós leigos, na verdade, é que vemos as partículas como objetos macroscópicos miniaturizados, como “bolinhas” num imenso jogo de bilhar fundamental. Para ser exato, nem mesmo na física clássica as partículas fundamentais são interpretadas assim. As partículas fundamentais, para os físicos, são objetos que interagem entre si de acordo com leis matemáticas previsíveis. Implicitamente, as partículas eram vistas como objetos unidimensionais, como pontos sem extensão. Antes da física quântica, as equações nada falavam sobre sua natureza. A partir da física quântica, entende-se as partículas como a manifestação de um “campo de energia” (que novamente é uma analogia para leigos, imperfeita).

O comportamento destes “campos de energia” é descrito por equações matemáticas cujos resultados são probabilísticos, ou seja, referem-se a uma probabilidade de ocorrer fenômenos. Um parêntese: quando falo de “campos de energia”, não me refiro a qualquer noção esdrúxula, não é “energia vital”, “energon”, “all spark”, “speed force”, “energia vibracional”, ou qualquer coisa que se imaginar. Na verdade, a própria palavra “energia” não é realmente adequada, pois estes campos descrevem as interações fundamentais da matéria (como o eletromagnetismo e a gravidade) e não exatamente “energias”. A noção importante é que a matemática da física quântica dá resultados em forma de probabilidades, não sendo determinística. Daí a achar que essas equações, criadas para descrever fenômenos do domínio subatômico, têm a ver com a “natureza fundamental da realidade” é um salto que a maioria dos físicos não endossa.

A idéia da dualidade onda-partícula tem origem na natureza probabilística da matemática da física quântica. A partir dessa matemática, pode-se calcular uma “probabilidade” de se observar uma partícula, ou dessa partícula interagir com outra, e essa probabilidade é descrita graficamente como uma função de onda. Leigos acabam entendendo essa dualidade, que é um conceito matemático abstrato, como se as partículas pudessem ser, ao mesmo tempo, “bolinhas” e “ondulações” (como aquelas da superfície da água). Essas imagens são analogias usadas para facilitar a comunicação com quem não entende a matemática, como eu ou você. Isso não quer dizer que correspondam à “natureza fundamental da realidade”.

Idéias como entrelaçamento quântico, princípio da incerteza e outras são igualmente mal interpretadas para dar origem a conceitos que não podem de forma alguma ser abstraídos da física quântica. É o mau uso das noções da física quântica, que vem do fato de pouca gente ter uma compreensão profunda sobre ela, que está na origem de tantos mal entendidos.

Igualmente, usar conceitos supostamente vindos da física quântica (na sua maioria, metáforas usadas para facilitar o entendimento de leigos) aplicando-os à fenômenos que nada têm a ver nem mesmo com a física é, na melhor das hipóteses, pura má fé. É o caso, por exemplo, da chamada medicina quântica. Supostamente, ela aplicaria as “idéias quânticas” (que não são idéias, são figuras de linguagem, nem tem nada a ver com a física quântica, que é matemática) no domínio da saúde.

A física que descreve objetos no domínio que nossos sentidos conseguem apreender, o domínio macroscópico, é essencialmente uma física clássica, que não tem nada a ver com a física quântica. Não faz sentido tentar aplicar as equações da física quântica, por exemplo, a uma cadeira ou a minha cabeça. Ou aos vasos sanguíneos no seu braço, ou seus neurônios. Esses são objetos macroscópicos que podem ser descritos pela física clássica, mas não pela física das partículas fundamentais. É tão errado acreditar que o entrelaçamento quântico possa ocorrer entre duas pessoas quanto achar que eu posso empilhar grãos de areia em cima uns dos outros até formar uma coluna da espessura de um grão e da altura de um prédio.

Qualquer pessoa pode entender que uma pilha de tijolos e uma pilha de grãos de areia se comportam de maneiras bem diferentes. Não deveria haver tanta dificuldade assim em entender que o comportamento de elétrons não pode ter muito a ver com o funcionamento do nosso estômago ou de nosso sistema imunológico. Mas, como se tratam de fenômenos fora da nossa experiência cotidiana sobre os quais compreendemos pouco, não temos como julgar alegações de que a nossa saúde possa ser “quântica”.

Não é preciso esmiuçar as alegativas de quem quer que sejam os defensores da “medicina quântica” ou “cura quântica”. Acreditar que leis que regem o comportamento de prótons e nêutrons e forças como o eletromagnetismo possam ser aplicadas ao mecanismo da saúde e da doença em nossos organismos é, no mínimo, erro grosseiro. Na maioria dos casos, trata-se também de exploração da boa fé e da falta de entendimento das pessoas. Medicina quântica é simplesmente uma farsa. Não caia nessa.

P.S.: texto acrescentado em 2025 nas notas laterais.

Medicina quântica: a farsa - August 14, 2017 - fhcflx