Chikungunya, Zika e as arboviroses

10 Dezembro 2017

No século XX, o mundo viu surgirem grandes epidemias de arbovírus. Dengue, Zika, Chikungunya, O’nyong-nyong, e vários outros menos conhecidos começaram a tomar as manchetes de notícias do planeta com chamadas alarmantes. Mas afinal, o que são estes arbovírus?

O nome arbovírus vem do termo em inglês ARthropod BOrne VIRUSes, criado em 1942 para agrupar vários vírus que estavam sendo descobertos como causadores de encefalites Encefalites são infeções agudas do encéfalo, causadas por um vírus, bactérias, fungos ou parasitas e até mesmo substâncias químicas ou tóxicas. Diversos tipos de vírus podem atingir o encéfalo, dentre eles, o vírus da caxumba, o da rubéola, o da varicela e o vírus da raiva entre outros. Dentre as bactérias temos os meningococos, os pneumococos, a tuberculose e até a sífilis. Os flavivírus, a cujo grupo pertencem a dengue, a febre amarela e a zica podem ser causa de encefalite. e que eram transmitidos por artrópodes Artrópodes (gr arthros = articulado; podos = pés) são um filo de animais invertebrados que possuem exoesqueleto rígido e vários pares de apêndices articulados, cujo número varia de acordo com a classe. Compõem o maior filo de animais existentes, representados por animais como os mosquitos (insetos), as aranhas (aracnídeos), os caranguejos (crustáceos), as centopeias (quilópodes) e os piolhos-de-cobra (diplópodes). . Estes vírus são encontrados infectando naturalmente diversos tipos de animais em áreas de floresta em vários lugares do mundo. A infecção em seres humanos era rara, e epidemias somente passaram a ocorrer quando a atividade humana invadiu e modificou o habitat natural dos animais que são hospedeiros destes vírus.

Um exemplo é o da febre amarela Febre amarela é uma doença viral aguda causada pelo vírus da febre amarela. Os sintomas principais incluem febre, calafrios, perda de apetite, náuseas, dores de cabeça e dores musculares, principalmente nas costas, durando até cinco dias. Em alguns casos, em média um dia após os sintomas melhorarem, a febre regressa, aparecem dores abdominais e pode ocorrer insuficiência hepática e renal. O médico cubano Carlos Finlay propôs em 1881 que mosquitos transmitiam a febre amarela, hipótese comprovada por Walter Reed. O vírus da febre amarela é transmitido pela picada de um mosquito fêmea infectado. Em cidades, a espécie Aedes aegypti é a responsável pela transmissão. Usando métodos propostos por Finlay e Reed, Oswaldo Cruz erradicou a febre amarela urbana no Brasil nos anos 1900. Está disponível uma vacina segura e eficaz contra a febre amarela. , causado por um vírus do gênero Flavivirus (família Flaviviridae), o mesmo dos vírus da Dengue. De acordo com o que se conhece sobre este que deve ser um dos vírus mais bem conhecidos pela espécie humana, ele tem provável origem africana. Ele infecta vários tipos de primatas, e pode eventualmente infectar o ser humano. As populações humanas que viviam em áreas de propragação do vírus pareciam ter uma imunidade natural. Isso ficou evidente com os primeiros relatos de surtos, no século XVII. De acordo com eles, os europeus infectados morriam em sua maioria, enquanto os nativos tinham apenas sintomas leves como os de uma gripe.

A febre amarela em áreas de selva é transmitida de macacos para humanos pelo mosquito Aedes africanus na África e por mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes na América do Sul. Este era o ciclo predominante de transmissão do vírus inicialmente. Com o tempo, europeus levaram tanto o vírus quanto o mosquito da febre amarela urbana, o Aedes aegypti Aedes (Stegomyia) aegypti (gr aēdēs = odioso; lat ægypti = do Egito) é a nomenclatura taxonômica para o mosquito que é popularmente conhecido como mosquito-da-dengue ou pernilongo-rajado, uma espécie de mosquito da família Culicidae proveniente da África, atualmente distribuído por quase todo o mundo, especialmente em regiões tropicais e subtropicais, sendo dependente da concentração humana no local para se estabelecer. Acredita-se que 35% da população mundial viva em áreas propícias e endêmicas para a proliferação do mosquito. para as cidades, onde eles se adaptaram e criaram outro ciclo de transmissão, o ciclo urbano, onde a tramsnissão é entre humanos. A principal atividade responsável pela urbanização da febre amarela, especialmente nas américas, foi a escravidão. Foram os navios de escravos que levaram tanto o vírus quanto o mosquito para fora da África.

A partir do século XVIII, epidemias de febre amarela urbana começaram a ser registradas no Novo Mundo. O primeiro surto parece ter sido em Recife, novamente relacionado a uma atividade humana: a plantação de cana de açúcar. O desmatamento extenso naquela região deslocou o vírus do ciclo silvático para o ciclo urbano. Até hoje, esta parece ser uma forma importante de transferência dos vírus de áreas de selva para áreas urbanas. Uma pressão ecológica força o deslocamento dos vírus de seus hospedeiros habituais, macacos, para hospedeiros humanos e a transmissão entre humanos começa em áreas urbanas, estabelecendo um novo ciclo.

Este parece ter sido o caso do recente surto de febre amarela silvestre em São Paulo. Em 2017, até julho, foram confirmados 777 casos da doença no estado, mais do que nos 30 anos anteriores juntos. O primeiro sinal de alerta foram macacos mortos por febre amarela. As primeiras notícias sobre o assunto causaram muita confusão e chegou-se a apontar os macacos como causa do surto, uma idéia sem o menor sentido biológico. Os primatas silvestres são reservatórios naturais da doença. A circulação do vírus entre eles pode ser um sinal de alerta, por isso eles são considerados espécies sentinelas. Mas a transmissão para seres humanos exige a perturbação da transmissão natural.

Dessa forma, exterminar os macacos, como chegou-se a cogitar, não modificaria, ou, pior, aumentaria a transmissão entre seres humanos por perturbar o ciclo natural do vírus em áreas de selva. No entanto, o grande vilão neste surto parece ter sido outro: a tragédia ecológica de Mariana, pelo rompimento da barragem da Samarco. O ecossistema de uma extensa área foi modificado no Sudeste brasileiro, reduzindo o número de espécies animais predadores naturais dos mosquitos. Essa pressão ecológica pode ter sido o suficiente para ocasionar o recorde surto de 2017. Mesmo assim, não se verificou o estabelecimento do ciclo urbano em São Paulo. O risco, no entanto, permanece.

Assim como no caso da febre amarela, a história das outras arboviroses que afetam o ser humano é semelhante. Foi a própria atividade humana, interferindo com a ecologia dós vírus, que causou os grandes surtos verificados nos últimos anos. A dengue Dengue é uma doença tropical infecciosa causada pelo vírus da dengue, um arbovírus da família Flaviviridae, gênero Flavivírus e que inclui quatro tipos imunológicos: DEN-1, DEN-2, DEN-3 e DEN-4. Os sintomas incluem febre, dor de cabeça, dores musculares e articulares e uma erupção cutânea característica que é semelhante à causada pelo sarampo. Em uma pequena proporção de casos, a doença pode evoluir para a forma hemorrágica caracterizada por pressão baixa e choque, além de sangramento. É transmitida por espécies do gênero Aedes, principalmente o Aedes aegypti. Atualmente, é a arbovirose mais comum que atinge a humanidade, sendo responsável por cerca de 100 milhões de casos/ano em uma população de risco de 2,5 a 3 bilhões de seres humanos. , por exemplo, nunca havia causado grandes epidemias na América do Sul antes da década de 90, apenas pequenos surtos no início do século XX. Sua origem parece ter sido na Malásia e o comércio de escravos foi também a primeira forma de propragação, ajudando a urbanização da dengue. Ficou restrita basicamente na Ásia e África por séculos. Os primeiros casos da forma hemorrágica coincidiram com um aumento dos surtos a partir da Segunda Guerra, supostamente pela perturbação ecológica nos reservatórios silvestres do vírus.

Os principais fatores responsáveis pela expansão recente da dengue foram o crescimento populacional rápido, urbanização crescente e sem planejamento, condições sanitárias precárias, invasão e destruição de reservatórios naturais onde ocorria a circulação do vírus. Assim, podemos colocar a dengue na conta da ocupação desordenada da ecosfera pelo ser humano, assim como a febre amarela. A dengue representa uma ameaça séria á saúde pública na Ásia, onde é uma das principais causas de internações hospitalares e mortes em crianças. Os números da última grande epidemia de dengue no Brasil, em 2015 (2 milhões de casos, 900 mortes), não são nem um pouco melhores.

Um outro vírus também considerado arbovírus é o da chikungunya Chicungunha (makonde chikungunya = tornar-se dobrado ou contorcido) é uma infecção causada por um arbovírus, do gênero Alphavirus (Togaviridae), que é transmitido aos seres humanos pelas fêmeas dos mosquitos do gênero Aedes. Até recentemente havia sido detectado somente na África (onde estava restrito a um ciclo silvestre). Os sintomas iniciais são febre acima de 39 °C, de início repentino, dores intensas nas articulações de pés e mãos, dedos, tornozelos e pulsos, dores de cabeça, dores musculares e manchas vermelhas na pele. É uma doença febril aguda associada a dor intensa e frequente artrite debilitante. Até 40% dos infectados pode desenvolver a forma crônica da doença, com a permanência dos sintomas por 6 meses a 1 ano. , ou chicungunha. Esse vírus pertence ao gênero Alphavirus, da família Togaviridae, não relacionado com os vírus da dengue e febre amarela. Esse vírus pertence a um grupo grande de outros vírus que também causam doenças em seres humanos, como o vírus O’nyong-nyong, vírus da encefalite equina, e outros. Essa é uma doença novata no Brasil, seus primeiros casos aqui ocorreram em 2010. O mesmo mosquito que transmite a febre amarela urbana e a dengue também transmite chicungunha: o Aedes aegypti. É uma doença da qual somente se ouviu falar no século XX, após a década de 50, inicialmente causando epidemias na Ásia, depois nas Américas e, finalmente, na Europa (Itália).

Mosquito Aedes aegypti alimentando-se de sangue humano. Fonte: CDC, domínio público.

O vírus da chicungunha parece ser mais um exemplo de arbovírus silvestre que posteriormente se urbanizou, pelas mesmas razões já descritas. Estudos moleculares sugerem que o vírus surgiu inicialmente por volta do ano 1700 e raramente afetava seres humanos antes no século XX. No Brasil, em 2010, os primeiros pacientes haviam viajado para a Indonésia ou Índia, onde se infectaram. Em 2014, casos em soldados retornando de uma missão no Haiti foram descritos. Nesse ano, ocorreu o primeiro surto nas américas, a maioria dos casos em Feira de Santana, na Bahia. Em 2017, uma grande epidemia ocorreu no Ceará. Ao contrário da febre amarela e da dengue, que são doenças agudas, a chicungunha apresenta grande frequência de formas crônicas.

Da mesma forma, o vírus da zika O vírus da zica (em inglês, Zika virus; abreviatura: ZIKV) é um vírus do gênero Flavivirus. Em humanos, transmitido através da picada do mosquito Aedes aegypti, causa a doença também conhecida como zika — que embora raramente acarrete complicações para seu portador, apresenta indícios de poder causar microcefalia congênita (quando adquirido por gestante, podendo prejudicar o feto em alguns casos). O nome Zika tem sua origem na floresta de Zika, perto de Entebbe, capital da República de Uganda, onde o vírus foi isolado pela primeira vez em 1947. , ou zica, é um novato nas américas. Transmitido pelo mesmo Aedes aegypti, é causado por um flavivírus, aparentado com os vírus da febre amarela e dengue. Apesar de causar uma doença mais leve e aguda, sem repercussões para o hospedeiro, esse vírus foi relacionado com uma epidemia de microcefalia congênita e de síndrome de Guillain-Barré. Isso ocorre por este vírus ser neurotrópico, causando morte de neurônios. Mais uma vez, a zica segue o mesmo padrão dos arbovírus: uma doença inicialmente silvestre e rara que se urbanizou pela atividade humana. Sua chegada nas américas parece ter se devido a transmissão por portadores de regiões endêmicas durante a Copa do Mundo de 2014. Isso causou a grande epidemia de 2015, em toda a América Latina.

Ilustração de um bebê com microcefalia (à esquerda) e outro com tamanho da cabeça normal. Fonte CDC, domínio público.

Embora a febre amarela urbana não exista mais no Brasil desde a primeira metade do século XX, a dengue, zica e chicungunha continuam a causar surtos anuais em todo o país. Estes não são os únicos arbovírus que ocorrem no Brasil, mas são aqueles que causam problemas de saúde pública pela quantidade de casos que ocorrem. Da mesma forma que estes arbovírus passaram a causar epidemias e pandemias no último século (especialmente nas últimas décadas), o risco existe de novas ameaças surgirem.

O risco do retorno da febre amarela urbana é real e aumentou muito depois do recente surto no Sudeste. Outros vírus, como o O’nyong-nyong, têm potencial para seguir o mesmo caminho e espalhar-se para fora da África, onde ele já causa epidemias Tappe, D., Kapaun, A., Emmerich, P., Campos, R. de M., Cadar, D., Günther, S., & Schmidt-Chanasit, J. (2014). O’nyong-nyong Virus Infection Imported to Europe from Kenya by a Traveler. Emerging Infectious Diseases, 20(10), 1766–1767. http://doi.org/10.3201/eid2010.140823 . Será que a febre O’nyong-nyong vai ser a próxima arbovirose epidêmica do Brasil?

Chikungunya, Zika e as arboviroses - December 10, 2017 - fhcflx