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Novidades no tratamento de tumores cerebrais em crianças e adolescentes

25 Julho 2018

Em 2013, uma postagem neste blog apresentou o tratamento moderno dos tumores do Sistema Nervoso Central (SNC) em crianças e adolescentes. Nesta nova postagem, revisito o tema para acrescentar as principais novidades que surgiram nos últimos anos em relação ao tratamento destas doenças.

Os tumores cerebrais Câncer (lat cancer = caranguejo): grande grupo de doenças muito diferentes entre si, tendo em comum a proliferação celular incessante e desordenada, a capacidade de invadir localmente tecidos saudáveis do organismo e a capacidade de se espalhar para locais distantes (metástases). Os diversos tipos de câncer são teoricamente oriundos de uma única célula (origem clonal) a qual sofreu mutações em seu código genético. Saiba mais aqui. em crianças são raros: de acordo com os dados do Registro de Câncer, em Fortaleza (CE) pouco mais de 1 criança em cada 100 mil vai ter um tumor cerebral, algo em torno de 30 casos por ano. Isso representa um terço da incidência de tumores cerebrais em São Paulo e no mundo desenvolvido, talvez pela existência de casos que não são diagnosticados a tempo. No Hospital Infantil Albert Sabin, único hospital do Ceará a contar com o tratamento multidisciplinar completo para crianças com tumores cerebrais, a sobrevida global das crianças com tumores cerebrais, cinco anos após o diagnóstico, é em torno de 50% Orlandira L de Araujo, Karine M da Trindade, Nadia M Trompieri, Juvenia B Fontenele, Francisco HC Felix. Analysis of survival and prognostic factors of pediatric patients with brain tumor. Jornal de pediatria 87 (5), 425-432, 2011 .

Isso significa que cerca de metade das crianças diagnosticadas com tumor cerebral vai viver mais de 5 anos, o que geralmente corresponde à cura clínica para pacientes com tumores.

A chance de sobrevida varia radicalmente com o tipo de tumor. Enquanto mais de 85-90% dos pacientes com gliomas Glioma é um tumor de células gliais, células que protegem, nutrem e dão suporte aos neurônios, podendo ocorrer no encéfalo, na medula espinhal ou mesmo junto a nervos periféricos. São responsáveis por aproximadamente 30% de todos os tumores do sistema nervoso central e por 80% dos tumores malignos primários no cérebro. Podem ser classificados em gliomas de baixo grau (de comportamento geralmente benigno) ou gliomas de alto grau (malignos). Em crianças e adolescentes, ao contrário de adultos, gliomas malignos são menos comuns. de baixo grau alcançam sobrevida prolongada, pacientes com gliomas de alto grau ou gliomas difusos da ponte têm um prognóstico ruim - menos de 10% vivem mais de 2 anos nas séries internacionais FHC Felix, OL De Araujo, KM da Trindade, NM Trompieri, JB Fontenele. Survival of children with malignant brain tumors receiving valproate: a retrospective study. Child’s Nervous System 29 (2), 195-197, 2013 . A chance de sobrevida depende, fundamentalmente, do diagnóstico e tratamento adequados os quais somente podem ser oferecidos em centros especializados e multidisciplinares. É importante que os pacientes recebam a atenção de profissionais com experiência e conhecimento e tenham ao seu alcance os recursos necessários ao tratamento. O maior determinante do resultado é o tipo de tumor a ser tratado. A tabela que acompanha este texto mostra o tratamento mais adequado de acordo com a literatura mais recente, para os principais tipos de tumores cerebrais.

Diagnóstico Detalhes Recomendação
Glioma de baixo grau Recorrente ou progressivo Vimblastina semanal
Glioma de alto grau* Maiores que 3 anos RT e QT oral
Glioma difuso de tronco cerebral Maiores que 3 anos RT
Meduloblastoma Maiores que 3 anos RTQT
Tumores embrionários Maiores que 3 anos RTQT
Ependimoma Maiores que 1 ano RT

*Gliomas difusos de tronco, o tipo mais comum de glioma maligno em crianças, são tratados à parte.

Na tabela, as colunas mostram a classificacação clínica do paciente (Diagnóstico), informações sobre a doença (Detalhes) e o tratamento mais indicado pela literatura científica mais recente (Recomendação). Abreviaturas: RT (radioterapia A radioterapia é uma modalidade de tratamento que utiliza uma radiação ionizante (raios X, raios gama, partículas beta, etc) para a terapia de tumores, principalmente os malignos. Baseia-se na destruição das células tumorais pela absorção da energia da radiação, causando morte celular. O princípio básico maximiza o dano no tumor e minimiza o dano em tecidos vizinhos normais, irradiando uma região de várias direções diferentes, o que “focaliza” a radiação na área alvo. ), QT (quimioterapia Quimioterapia refere-se ao tratamento de doenças por substâncias químicas que afetam o funcionamento celular. Pode ser quimioterapia antimicrobiana, quimioterapia antiviral, quimioterapia anticâncer, etc. Popularmente, o termo refere-se à quimioterapia anticâncer ou antineoplásica, um dos tratamentos do câncer onde são utilizadas drogas capazes de induzir morte celular. As células de câncer são mais sensíveis à quimioterapia, por se multiplicarem rapidamente. Células normais também podem ser afetadas, ocasionando diversos efeitos colaterais, como a queda de cabelo. ), RTQT (radioquimioterapia).

Nota: todas as informações nestas tabelas foram retiradas da literatura científica citada, porém não necessariamente refletem a prática e a opinião de todos os profissionais e todos os centros envolvidos no tratamento de crianças com tumores cerebrais. Cada centro especializado ou profissional individual pode utilizar informações ou referências diferentes e pode informar chances de sobrevida diferentes, dependendo de suas experiências individuais.

Gliomas de baixo grau: a grande novidade em relação ao tratamento foi a introdução da vimblastina semanal como primeira escolha para crianças, um tratamento menos intensivo e tão eficaz quanto esquemas com mais drogas e doses maiores. Além disso, novas informações mostraram que o tratamento pode aguardar até que seja comprovada recorrência ou progressão dessas doenças que são, via de regra, de crescimenton lento. A boa notícia é que a sobrevida é muito longa, décadas na maioria das vezes. A má notícia é que uma parte considerável dos pacientes vai ter doença crônica neste período, pois a chance de recorrências múltiplas é razoável.

Gliomas de alto grau: a maior novidade foi a demonstração que o glioblastoma e outros gliomas malignos são bem diferentes em crianças e em adultos. Enquanto os adultos com gliomas malignos tem mutações dos genes EGFR e IDH, as crianças apresentam mutações dos genes H3F3A ou H3F3B. Isso explica porque os tratamentos funcionam diferentemente para adultos e crianças. Enquanto adultos respondem ao medicamento temozolomida, as crianças somente vão ter resposta se for acrescentado o medicamento lomustina (terapia alquilante dual).

Gliomas difusos de tronco cerebral: neste grupo de pacientes, o padrão de tratamento continua sendo a RT, embora um grande esforço esteja sendo desenvolvido no mundo inteiro para tentar desenvolver uma terapia alvo Terapia alvo é uma das modalidades de tratamento médico (farmacoterapia) para o câncer, sendo que outras são terapia hormonal e quimioterapia citotóxica. A terapia alvo bloqueia o crescimento de células cancerígenas interferindo com moléculas específicas necessárias para a carcinogênese e o crescimento do tumor, ao invés de simplesmente interferir com todas as células que se dividem rapidamente (por exemplo, com quimioterapia tradicional). Como a maioria dos agentes para terapia direcionada é biofarmacêutica, o termo terapia biológica é às vezes sinônimo de terapia alvo quando usada no contexto da terapia do câncer (e, portanto, distinta da quimioterapia, isto é, terapia citotóxica). para essa doença refratária à QT. Inibidores da enzima HDAC, o ácido valpróico e o SAHA estão sendo testados. Dados preliminares apontam a possível eficacia destas drogas nessa doença, a qual quase sempre tem a mutação H3K27M.

Meduloblastomas: tumores malignos mais comuns em crianças e com uma das melhores taxas de cura. A grande novidade recente é o uso de biologia molecular para classificar os pacientes em 4 grupos, um deles com resultados piores ao tratamento e o restante com melhores resultados. Estas novas informações ainda serão integradas aos tratamemtos. Os maiores ensaios clínicos realizados comprovaram a utilidade da QT em reduzir a intensidade da RT nestes pacientes.

Tumores embrionários: o conhecimento sobre estes tumores raros está mudando rapidamente com uma nova classificação e informações moleculares. Um dos problemas a ser equacionado é a confiabilidade do diagnóstico histopatológico e molecular.

Ependimomas: uma nova classificação molecular está trazendo à tona nove (9) subtipos diferentes dessa doença! Seu tratamento baseia-se em RT, pois é basicamente refratária à QT e esta tem sido usada apenas de forma esperimental recentemente. Recentemente, começou-se a fazer RT para crianças com ependimoma a partir de 1 ano de idade.

Crianças com tumores cerebrais malignos e menos de 3 anos de idade ainda constituem um sério problema para tratamento no mundo inteiro, pois não podem receber RTQT com segurança. Uma das alrernativas seria uma terapi alvo, mas estas ainda estão em estágio experimental.

Espera-se que os novos conhecimentos de biologia molecular tragam novidades num futuro próximo para os pacientes que ainda não tem uma boa alternativa de tratmento.

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