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Sobrevida dos adolescentes e adultos jovens com câncer.

20 Agosto 2018

Pesquisadores do RARECAREnet Working Group, uma rede de pesquisa sobre tumores raros da Europa, analisaram dados sobre adolescentes e adultos jovens diagnosticados com câncer Câncer (lat cancer = caranguejo): grande grupo de doenças muito diferentes entre si, tendo em comum a proliferação celular incessante e desordenada, a capacidade de invadir localmente tecidos saudáveis do organismo e a capacidade de se espalhar para locais distantes (metástases). Os diversos tipos de câncer são teoricamente oriundos de uma única célula (origem clonal) a qual sofreu mutações em seu código genético. Saiba mais aqui. nos últimos 40 anos. Eles tentaram responder à questão: será que os adolescentes com câncer tem pior prognóstico do que as outras crianças?

Num trabalho publicado na Pediatric Blood and Cancer, pesquisadores da rede de neoplasias raras da Europa, RARECAREnet, investigaram os dados sobre pacientes diagnosticados com câncer entre os 15 e os 39 anos de idade, um grupo que se costuma chamar de adolescentes e adultos jovens (AAJ, ou adolescents and young adults - AYA em inglês). Essa faixa de idade tem as menores incidências de câncer entre os jovens e tem características próprias.

O câncer, como um grupo de doenças, tem uma incidência que apresenta uma tendência bem definida de aumento com a idade, com máximo acima de 70 anos (mais de 95% dos casos de câncer ocorrem em adultos, a maioria na terceira idade). Na infância, existe um pico de incidência menor, em crianças em torno de 1-3 anos. No grupo de AAJ, a incidência é muito baixa, justificando a classificação do câncer desses jovens como um grupo de doenças raras.

Os pesquisadores reuniram dados encontrados na RARECAREnet européia e também no SEER, a base de dados de câncer dos EUA. Ao todo, eles reuniram informações sobre 425448 crianças e jovens. Eles excluíram as doenças que praticamente somente ocorrem em crianças com menos de 15 anos (neuroblastoma, retinoblastoma, hepatoblastoma, tumor de Wilms, tumores de células germinativas e alguns outros tumores raros). Também excluíram tumores benignos e de comportamento incerto.

No final, incluíram 70080 pacientes AAJ, comparando com um grupo de 56807 crianças com menos de 15 anos com os mesmos tipos de tumores. Os dados mostram que, na década de 70, as crianças tinham uma sobrevida em 5 anos Análise de sobrevivência ou de sobrevida é um ramo da estatística que analisa a duração de tempo até que um ou mais eventos aconteçam, como morte ou falha de um tratamento. A análise de sobrevivência tenta responder a perguntas como: qual é a proporção de uma população que sobreviverá após um certo tempo? Como circunstâncias particulares aumentam ou diminuem a probabilidade de sobrevivência? Assim, a definição de sobrevida é importante. Na oncologia, em geral fala-se na sobrevida a partir do diagnóstico de uma doença (ou a partir do início de um tratamento). menor que os AAJ, mas esta diferença diminuiu e acabou por se inverter nos anos 80. De lá para cá, as crianças com câncer mostraram um aumento de sobrevida superior aos AAJ. Hoje em dia, AAJ tem ainda uma sobrevida em 5 anos 4% menor que crianças menores de 15 anos. Apesar de algumas diferenças entre Europa e EUA, de uma forma geral, tanto crianças quanto AAJ passaram de uma sobrevida em 5 anos em torno de 50% nos anos 70-80 para >70% a partir dos anos 90.

Quando se olha apenas para os dados relativos à leucemia linfóide aguda (LLA), o mais frequente câncer da infância, as diferenças são maiores ainda. Desde o início, as crianças tinham mais que o dobro da sobrevida de adolescentes (15-20 anos) e isso era mais acentuado ainda em relação a adultos jovens (21-34 anos). A sobrevida de AAJ vem melhorando mais rápido que a de crianças menores de 15 anos ao longo das décadas, mas mesmo hoje ocorre uma diferença de 20-30% de sobrevida, dependendo da idade. Crianças com LLA sobrevivem bem mais que AAJ mesmo hoje.

Já quando se examinam os dados relativos aos outros tipos de tumores, excluindo a LLA, tudo se inverte. A sobrevida nos AAJ é um pouco melhor do que em crianças, cerca de 4%. No início, nos anos 70, a sobrevida de AAJ era menor nos EUA do que na Europa, mas essa diferença diminuiu e acabou com o tempo. Desde meados da década de 90, a sobrevida de AAJ com é semelhante tanto na Europa quanto nos EUA.

Resumindo, ocorreu um avanço muito grande na sobrevida de todos os tipos de doenças neoplásicas em AAJ, mais ainda nos EUA do que na Europa, ao ponto de que os dois locais agora tem números semelhantes. Mesmo assim, a sobrevida em crianças com menos de 15 anos e doenças neoplásicas do mesmo tipo aumentou mais ainda, e os AAJ permanecem com uma sobrevida, em média, um pouco menor que crianças. Essa diferença se acentua em adultos jovens, entre 20-34 anos, que tem sobrevidas menores ainda para as mesmas doenças, especialmente nos EUA.

Segundo os autores, as diferenças entre a sobrevida de crianças e AAJ, mais acentuadas nos EUA, mostram claramente dois fatos. O primeiro, que adultos jovens com doenças oncológicas do mesmo tipo daquelas encontradas em crianças devem ser tratados como crianças. Esta tem sido a abordagem cada vez mais frequente na Europa, porém ainda não é amplamente adotada nos EUA. Segundo, serviços especializados em AAJ, que tratam pacientes entre 15 e 34 anos, devem existir e funcionar com protocolos próprios. Novamente, a Europa parece estar seguindo mais aceleradamente neste rumo, enquanto os EUA tem poucos serviços especializados em AAJ.

O estudo tem limitações, segundo os autores. A maior delas é que ele apenas avaliou doenças neoplásicas que ocorrem tanto em crianças quanto em AAJ. Porém, a maioria dos tumores de AAJ é muito rara em crianças com menos de 15 anos e foi excluída deste estudo (por exemplo, tumores testiculares e carcinomas). Além disso, as bases de dados tem vieses geográficos. A base de dados europeu é composta por 60% de pacientes da Alemanha e o SEER inclui apenas 10% dos casos de crianças e adolescentes tratados com câncer nos EUA.

No Brasil, o tratamento de adolescentes e adultos jovens com câncer ainda é um grande desafio, por se tratar de um grupo de transição onde se misturam patologias próprias de crianças e adultos. Não existem serviços especializados apenas em AAJ no Brasil, e os pacientes são separados pelo limite de 18 anos de idade, imposto pelo Ministério da Saúde. O Instituto nacional do Câncer, INCA, publicou em 2017, um livro sobre a incidência de câncer em crianças, adolescentes e adultos jovens, um primeiro passo para dar visibilidade a este grupo negligenciado de pacientes.

Figura: livro do INCA sobre câncer de crianças, adolescentes e adultos jovens.

Esta postagem não representa sugestão de tratamento. Apenas um especialista pode judiciosamente decidir quais informações divulgadas podem modificar de alguma forma um esquema de tratamento, e de que forma.

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