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O Tratamento de Hemangiomas no Passado e no Presente

19 Julho 2018

Essa é uma revisão de uma postagem de 4 anos atrás, quando faziam 5 anos que o tratamento dos hemangiomas Hemangioma (gr haema = sangue; angeio = vaso; oma = tumor) são tumores vasculares benignos formados por um crescimento anormal de capilares sanguíneos que geralmente não causam danos, apenas são desagradáveis esteticamente. São mais comuns na pele, especialmente na cabeça e pescoço, mas podem aparecer em vários órgãos, como mucosas, fígado, intestino, árvore respiratória, cérebro, etc. Também chamados hemangiomas infantis ou hemangiomas capilares. Surgem logo após o nascimento, crescem rapidamente no primeiro ano de vida (fase proliferativa) e regridem espontaneamente a um ritmo de cerca de 10% ao ano (desaparecendo em até 9 anos mais ou menos). tinha sido revolucionado pela descoberta do efeito do propranolol Propranolol: fármaco anti-hipertensivo indicado para o tratamento e prevenção do infarto do miocárdio, da angina, de arritmias cardíacas, bem como da enxaqueca. Pode ser utilizado associado ou não a outros medicamentos para o tratamento da hipertensão arterial. É um bloqueador de receptores beta adrenérgicos (betabloqueador). Em 2008, uma publicação no New England Journal of Medicine mostrou que o propranolol pode induzir a regressão rápida de hemangiomas infantis. e dos betabloqueadores. De lá para cá, essa revolução tornou-se o novo padrão de tratamento destes tumores vasculares. Mas, afinal, como se tratavam os hemangiomas antes?

Antes de tudo, vamos definir o que são hemangiomas: eles são tumores vasculares Tumor vascular: é uma anomalia vascular formada pela proliferação de células de vasos sanguíneos. Diferentemente das malformações vasculares, demonstram proliferação de células endoteliais de diversas linhagens, e podem apresentar fase de crescimento rápido, constituindo, portanto, verdadeiras neoplasias. A maioria dos tumores vasculares é própria da faixa etária pediátrica, porém vários tipos podem ocorrer ao longo de toda a vida. , benignos (nunca evoluem para tumores malignos), típicos de bebês (nunca surgem em crianças grandes e adolescentes). Crescem rapidamente no primeiro ano de vida e involuem espontaneamente ao longo de vários anos, causando complicações numa minoria de casos (10-15%) e deixando cicatrizes esteticamente problemáticas em 1/3 dos casos. Quando pais procuram o médico com crianças com hemangiomas, muitas vezes já se tratam de casos complicados, pois na maioria dos casos simples a lesão é pequena e reduz sem despertar maiores preocupações na família. Os hemangiomas são também chamados de hemangiomas infantis (termo preferido) ou hemangiomas capilares.

Lesões que crescem lentamente ou não crescem, que surgem em crianças maiores ou adultos, não são hemangiomas infantis! Devem ser outras formas de anomalias vasculares Anomalia vascular: é toda desordem de estrutura ou crescimento de vasos sanguíneos, podendo ser congênita, hereditária ou adquirida. Podem ser classificadas em tumores vasculares, anomalias onde ocorre proliferação celular em alguma fase de seu desenvolvimento (ex.: hemangioma), ou malformações vasculares, anomalias onde existem alterações morfoestruturais causadas por problemas durante a embriogênese ou adquiridas (ex.: malformação capilar). , as quais existem às centenas. É muito comum que pacientes e familiares sejam informados erroneamente que essas lesões constituem hemangiomas.

Figuras retiradas do livro Mulliken & Young’s Vascular Anomalies, Hemangiomas and Malformations, 2 ed., Oxford University Press, 2013 (protegidas por direitos autorais).

O professor John B. Mulliken, considerado uma das maiores autoridades em anomalias vasculares do mundo e discípulo de Judah Folkman (1933-2008), o descobridor da angiogênese Angiogênese: é o processo fisiológico através do qual novos vasos sanguíneos se formam a partir de vasos pré-existentes. Num uso preciso, isso é diferente da vasculogênese, que é a formação de células endoteliais de novo a partir de precursores de células mesodérmicas, e da neovascularização, embora as discussões nem sempre sejam precisas (especialmente em textos mais antigos). Os primeiros vasos no embrião em desenvolvimento se formam através da vasculogênese, após o que a angiogênese é responsável pela maioria, senão por todo, o crescimento dos vasos sangüíneos durante o desenvolvimento e na doença. O papel da angiogênese no crescimento de tumores foi proposto pelo médico e cientista americano Judah Folkman em 1971. , nos mostrava, na introdução do capítulo de sua clássica obra sobre o tratamento de hemangiomas, um interessante histórico. Logo no começo, ele avisa: “o hemangioma vermelho brilhante de rápido crescimento nos leva a tomar uma providência, a fazer algo, qualquer coisa”. Assim, a ansiedade relacionada com esta lesão ordinariamente benigna e que não requer tratamento na maioria dos casos (sabemos bem hoje) sempre levou mães e médicos ansiosos a tentar as mais estapafúrdias terapias possíveis. No século XVIII, era comum a “queimação” com “ferro quente” (cautério), ou ainda a extirpação cirúrgica de lesões que, muitas vezes, regrediriam espontaneamente. Vários casos de hemorragias graves com óbito de crianças com hemangiomas, mesmo pequenos, foram descritas na literatura antiga, como resultado de técnicas abstrusas de tratamento.

Relatos mostram que desde os anos 1500 se realizavam extirpações cirúrgicas de hemangiomas em pequenos pacientes. Numa das passagens, o Dr. Mulliken descreve: “Daniel Turner (…), precursor da dermatologia (…), [em 1714] recomendou o “ferro quente” para um (…) caso, uma jovem empregada com uma “marca em forma de lagosta” na bochecha. Amedrontada, a garota tomou a sábia decisão de procurar outra opinião”. Citando W. A. Lister (1938): “toda a nossa atitude em relação ao tratamento dos nevos em morango (strawberry hemangiomas) deve se basear no conhecimento de sua invariável tendência à regressão espontânea”. Mesmo hoje em dia, mães ansiosas devido à marca vermelho-vivo, usualmente na face de seus bebês, procuram “cirurgia”, alheias ao grande risco que estão oferecendo a seus filhos. Cabe aos profissionais de hoje esclarecer adequadamente as mães e, nos casos que necessitem, encaminhar a um especialista em anomalias vasculares.

Ainda é preocupante a tendência de alguns médicos de voltar aos velhos tratamentos de 200 anos atrás, como a cauterização (até recentemente realizada esporadicamente com bisturi elétrico). A cauterização, deve-se frisar, seja com que instrumento for, é totalmente contra-indicada, pois, além de vários riscos associados à anatomia do local de surgimento do hemangioma, deixa uma cicatriz indelével para o resto da vida.

A quem procurar quando uma criança tem um hemangioma? Não existe uma especialidade devotada às chamadas anomalias vasculares, então não se pode falar de um grupo de médicos ou uma especialidade que seja a “melhor” para conduzir hemangiomas. Os maiores especialistas nestas lesões são de varias especialidades diferentes como o Dr. Mulliken (cirurgião plástico), como a Dra. Adams (onco-hematologista pediátrica), que constituem as maiores autoridades mundiais e como a Dra. Leauté-Labréze (dermatologista), a qual descobriu recentemente o uso de propranolol para hemangiomas. No entanto, a maioria dos cirurgiões, oncologistas ou dermatologistas não tem experiência com o tratamento de hemangiomas, ou a tem de forma limitada. Todos os médicos, porém, podem e devem ter noções gerais sobre anomalias vasculares, incluindo quando referir para um colega com reconhecida experiência.

Essa imagem parcial, retirada de capítulo do livro do dr. Mulliken, mostra uma jovem que desenvolveu um grande hemangioma infantil na face. O seguimento, ABSOLUTAMENTE SEM NENHUM TRATAMENTO, é testemunho de que a regressão espontânea dos hemangiomas, que pode demorar vários anos, muitas vezes não deixa nenhuma marca posterior.

Assim, na dúvida, informe-se com médicos ou outros pacientes quem é o médico que tem mais experiência com o tratamento de hemangiomas, independente da especialidade. Qual o papel da cirurgia no tratamento dos hemangiomas? Mesmo antigamente, como se viu, esse papel era limitado. É comum que pais ansiosos fantasiem que “basta retirar o hemangioma e meu filho(a) ficará normal”! Mas é uma ilusão: na maioria dos casos de hemangiomas complicados, a cirurgia é excessivamente mutiladora e deixará grandes cicatrizes para o resto da vida. Nos casos simples, basta aguardar que a lesão desaparece sozinha. É importante, no entanto, que um diagnóstico bem feito seja realizado, pois outras anomalias vasculares não vão involuir espontaneamente. Em alguns casos selecionados e bem indicados, a cirurgia pode sim ser positiva e ajudar.

Na maioria dos casos complicados já temos, desde a publicação do trabalho seminal da Dra. Leauté-Labréze Em 2007, uma criança de 3 meses de idade foi levada para a Dra. Christine Leauté-Labréze, dermatologista do Bordeaux University Hospital Center. O bebê tinha um grande hemangioma da face, bloqueando as vias respiratórias e o nariz. O tratamento padrão, com dose alta do corticosteróide prednisolona, foi prescrito. Poucos dias depois, a criança desenvolveu uma complicação rara do uso de corticóides: miocardiopatia hipertrófica, a qual desencadeou insuficiência cardíaca. Após consultar a cardiologia, propranolol, o tratamento padrão dessa complicação cardíaca, foi prescrito. Para surpresa da dermatologista, a lesão regrediu rapidamente (ao longo de algumas semanas), enquanto a criança usava propranolol. A medicação foi, então, usada em outros pacientes que não tinham respondido à prednisolona. Em 2008, a Dra. Leauté-Labréze e colegas publicaram o achado mnuma carta para o New England Journal of Medicine, a qual já foi citada mais de 2 mil vezes. Posteriormente, a mesma pesquisadora publicou um ensaio clínico controlado validando a utilidade e segurança do propranolol para o tratamento de hemangiomas infantis. , um tratamento eficaz. O propranolol foi o primeiro betabloqueador usado com sucesso para o tratamento de hemangiomas. Ele age “apressando” a involução natural dos hemangiomas. Ao invés de levarem vários anos, precisam de 6-12 meses para desaparecer. Ao final do tratamento, assim como na evolução natural da doença, pode sobrar uma cicatriz, pois as células dos hemangiomas não simplesmente desaparecem, elas se “transformam” em células gordurosas, como demonstrado pelo trabalho premiado da Dra. Itinteang. Essa mesma pesquisadora mostrou evidências de que as células de origem dos hemangiomas infantis são oriundas da placenta, o que explicaria porque basicamente os hemangiomas somente acontecem em bebês e porque problemas na gravidez aumentam a chance deles surgirem (como trabalho de parto prematuro).

Hoje em dia, novos tratamentos derivados do propranolol continuam sendo desenvolvidos, inclusive um tratamento tópico, para passar na pele sobre a lesão, e o propranolol não é mais a droga mais usada do grupo dos beta-bloqueadores. O atenolol mostrou igual eficácia ensegurança superior. Mas isso e muito mais fica para a próxima postagem!

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